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NOTA TÉCNICA Nº 4/2021/CSA-SENACON/CGCTSA/DPDC/SENACON/MJ
PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº 08012.000644/2017-27
Representante: Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor
Representada: BRF S/A.
Assunto: Violação do dever de informação e da boa-fé objetiva. Inserção de produtos no mercado de consumo em desacordo com as normas regulamentares aplicáveis.
Classificação documental: CPS680
Ementa: Saúde e Segurança do Consumidor. Processo Administrativo em virtude de relatório do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, que apresentou irregularidades nos resultados de análises laboratoriais para os produtos elaborados no estabelecimento sob SIF 1010, BRF S.A. Ausência de cerceamento de defesa. Ausência de bis in idem. Representada que não demonstrou, perante o MAPA, a irregularidade das constatações ali realizadas. Violação aos 4º, caput, incisos I e III; 6º, incisos III e IV, que asseguram os direitos básicos do consumidor; artigo 18, caput; artigo 31, parágrafo único; artigo 39, inciso VIII; bem como artigo 66, todos do Código de Defesa do Consumidor. Nota de Condenação. Proposta de condenação em R$ 5.382.585,00 (cinco milhões, trezentos e oitenta e dois mil quinhentos e oitenta e cinco reais).
I - RELATÓRIO
Introdução
Trata-se de Processo Administrativo, instaurado ex-officio no âmbito deste Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), em desfavor da BRF S.A., em decorrência de fatos associados à deflagração da Operação "Carne Fraca", da Polícia Federal, segundo a qual haveria fraude em carnes distribuídas pela empresa supracitada, inclusive com supostos produtos adulterados e inseguros para o consumo humano.
O presente Processo Administrativo foi instaurado por meio do Despacho nº 495 (4226596) que acolheu as razões ventiladas pela Nota Técnica nº 79 (4226015) que, em síntese, apontaram para possíveis irregularidades no teor de água em frangos congelados produzidos pela BRF S.A, acima do permitido pela legislação de regência. Apontando para forte indício de comercialização de produtos destinados à alimentação humana em conflito com as normas aplicáveis ao processo de produção e comercialização desse tipo de produto.
Da Averiguação Preliminar
Este DPDC, ainda em sede de Averiguação Preliminar, enviou a Notificação nº 64/2017/SECSS/CCSS/CGCTSA/DPDC/SENACON (3978985) em 17 de março de 2017, para que, no prazo não superior a 72h (setenta e duas horas), o fornecedor apresentasse esclarecimentos acerca dos fatos, notadamente quanto aos riscos à saúde e segurança do consumidor ou formalizasse o recall dos produtos nocivos, nos termos do artigo 10 e parágrafos do Código de Defesa do Consumidor. Adicionalmente, para que informasse, se houvesse, os tipos de alterações realizadas nos produtos, os lotes afetados, a quantidade de produtos afetados pela adulteração e a data de fabricação e validade dos produtos.
Ainda em sede de Averiguação Preliminar, com vistas a possibilitar o imediato conhecimento, por parte do fornecedor, quanto aos fatos em investigação, foi a Notificação encaminhada por via eletrônica à BRF S.A. (3980180).
Em 06 de abril de 2017, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA - encaminhou ao DPDC o Ofício nº 87/2017/DIPOA-SDA - MAPA (4225927), do qual consta a informação de que as análises laboratoriais realizadas nos produtos elaborados no estabelecimento da BRF, sob o SIF 1010, localizado em Mineiros/GO, apontaram não conformidades. De acordo com as análises, os produtos "Frango Congelado", marca "Sadia", apresentaram "teor de água maior do que o limite previsto na legislação". De acordo com a documentação oficial encaminhada pelo MAPA, 13 (treze) análises apontaram irregularidades no dripping test, o método de prova para determinar o teor de líquido perdido por degelo de frangos congelados. Os certificados oficiais de análise (COA) foram emitidos pelos Laboratórios Nacionais Agropecuários - Lanagros dos estados de Goiás e Pernambuco e a numeração oficial dos certificados encontra-se no Ofício n. 87 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Ainda de acordo com a documentação técnica apresentada, pelo menos 08 (oito) lotes com irregularidades foram identificados (3357049, com validade até 18/02/2018; 3357051, com validade até 20/02/2018; 3357053, com validade até 22/02/2018; 3357054, com validade até 23/02/2018; 3357061, com validade até 02/03/2018; 7075D, com validade até 15/03/2018; 3357047, com validade até 16/02/2018; 3357013, com validade até 13/01/2018).
Diante dos resultados das análises, o Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal – DIPOA, determinou à BRF o recolhimento cautelar dos produtos por ela elaborados que se encontravam no mercado de consumo. O estabelecimento foi informado de que os produtos objeto de recolhimento devem ser armazenados pelos estabelecimentos, em locais separados e identificados.
Cabe registrar que os 13 (treze) Certificados Oficiais de Análise encaminhados inicialmente pelo MAPA, que ensejaram a instauração do presente processo administrativo, encontram-se na Tabela 01 abaixo e correspondem aos Autos de Infração números: 310 (11810260); 35 (11810401); 04 (11810361); 32 (11810441); 02 (11810497); 04 (11810553); 06 (11810566); 23 (11814852); 24 (11815201); 22 (11816576); 03 (11817240); 07 (11817195) e 05 (11817148).
Da instauração do Processo Administrativo
Conforme acima relatado, após as medidas adotadas, ocorreu a instauração do presente processo administrativo sancionador. Ato contínuo, foi encaminhada Intimação (4226769) à BRF S.A para que apresentasse suas razões de defesa perante este DPDC. Em 29 de maio de 2017, a representada apresentou sua defesa (apenso: 08012.001311/2017-15; SEI: 4417930), onde, em síntese, alegou o que se segue: 01) que o Ofício do MAPA não foi remetido à BRF, alegando nulidade; 02) que o Dripping Test (teste de gotejamento) não merece acolhimento; 03) que houve cerceamento de defesa; 04) que houve quebra na cadeia de custódia dos produtos apreendidos, tendo requerido a nulidade dos COAS; 04) que os produtos foram acondicionados em temperatura superior a 12 graus célsius, invalidando as amostras; 05) que a metodologia do teste de gotejamento realizado não teria obedecido as formalidades cabíveis.
Do compartilhamento de provas pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento
Desde o início do presente Processo Administrativo, este DPDC buscou o auxílio técnico do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, órgão responsável pela fiscalização de produtos de origem animal no Brasil. Assim sendo, este DPDC, por meio do Ofício nº 72 (6215886), solicitou informações ao MAPA acerca de atualizações de casos envolvendo a deflagração da Operação Carne Fraca.
Este DPDC, por meio do Despacho nº 650 (12428385) juntou a resposta ao Ofício nº 72 do MAPA e assinalou o prazo de 10 (dez) dias para que a representada se manifestasse sobre o teor do mesmo.
Por meio do Ofício nº 146 (11544089) este DPDC solicitou esclarecimentos por parte do MAPA acerca dos questionamentos relativos aos Testes de Gotejamento e Cadeia de Custódia realizados pelo MAPA em relação à representada.
Isso posto, foram juntados 35 procedimentos remetidos pelo MAPA ao presente processo administrativo. Por meio do Despacho nº 444 (12002518) este DPDC oportunizou à representada manifestação acerca do teor da documentação juntada.
Para proceder a fiscalização dos produtos de origem animal no Brasil, o MAPA se utiliza do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária, bem como o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA). Além de regramento específico acerca dos testes realizados por seu corpo técnico, em laboratórios oficias, tópico que será tratado em momento oportuno da presente Nota Técnica.
Da manifestação da representada
Em 17 de agosto de 2020, a representada juntou aos autos sua manifestação (12411351) onde, em síntese, alegou o que se segue: 01) que a operação Carne Fraca foi verdadeiro açodamento e pirotecnia midiática lançando dúvidas infundadas sobre a qualidade dos produtos da empresa; 02) que inicialmente buscava alcançar esquema ilícito envolvendo servidores públicos que acabou por ventilar informações que se mostraram incorretas e imprecisas; 03) que o estardalhaço gerado pela operação culminou com a intensificação das fiscalizações por parte das autoridades sanitárias; 04) alegaram que o açodamento das autoridades sanitárias desrespeitaram frontalmente diversos procedimentos e parâmetros técnicos aplicáveis; 05) alegaram que as provas técnicas foram absolutamente frágeis; 06) alegou que os resultados apresentados nos COAs são rigorosamente imprestáveis além de ilegalidades processuais cometidas pelo MAPA; 07) questionou a metodologia do teste de gotejamento realizado pelo MAPA; 08) questionou a cadeia de frio, alegando que diversos documentos teriam deixado de apontar a temperatura da colheita e recebimento da amostra ou o local da coleta; 10) alegou que a ausência de tal registro invalidaria os resultados; 11) alegou que as coletas foram feitas em locais irregulares; 12) alegaram erros laboratoriais; 13) alegaram que não foi oportunizada a realização da contraprova no processo administrativo nº 21052.027517/2017-67; 14) alegaram que diversos óbices foram impostos para que a representada pudesse acompanhar os procedimentos; por fim, 15) alegaram que as provas que fundamentam o presente processo administrativo são descabidas.
Do encerramento da instrução processual
Em 27 de novembro de 2020, por meio do Despacho nº 1159 (13317868), este DPDC encerrou a instrução processual intimando a representada para apresentar alegações finais.
Em 17 de dezembro de 2020, a representada apresentou suas alegações finais (13504405), onde, em síntese, alegou o que se segue: 01) alegou que este DPDC encerrou abruptamente a instrução processual, tomando por absoluta a validade dos laudos apresentados pelo MAPA; 02) alegou que o Despacho que encerrou a instrução processual contamina todo o procedimento administrativo, alegando que a invalidade dos laudos emitidos pelo MAPA não poderiam ser contestados pela representada; 03) alegou que os laudos emitidos pelo MAPA não estão aptos a fundamentar eventual condenação da BRF; 04) alegou que os laudos produzidos pelo MAPA estavam contaminados por vícios técnicos; 05) alegou que os Despacho que encerrou a instrução processual impediu a representada de fazer prova de que os autos de infração são imprestáveis ao presente processo; 06) alegou que o Despacho impediu a representada de fazer prova que os laudos são imprestáveis; 07) alegou que os autos de infração exarados pelo MAPA carecem de confiabilidade; 08) alegou atipicidade de sua conduta em relação às normas consumeristas; 09) alegou que deve-se continuar a instrução probatória; 10) alegou que os fundamentos do Despacho que encerrou a instrução probatória não se sustentam; 11) alegam que os autos de infração elaborados pelo MAPA não observaram as diretrizes administrativas pertinentes; 12) alegou que seria necessário esperar o deslinde de autos de infração que ainda tramitam perante o MAPA para eventual condenação; 13) alegou que a metodologia adotada pelo MAPA ao longo dos autos de infração expedidos não é confiável e sofreram inequívoco descumprimento dos parâmetros legais; 14) a representada apontou para parecer específico, questionando a metodologia dos autos de infração, parecer de especialista, juntado aos autos do presente processo administrativo; 15) alegou que 19 (dezenove) autos de infração do MAPA foram realizados em âmbito de varejo e outros 14 (quatorze) tiveram a coleta realizada em centro de distribuição, alegando que tais fatos seriam ilegalidades técnicas; 16) alegou inexistir infração consumerista, pois, o teste de gotejamento é um teste que afere conformidade de processo produtivo e não conformidade de produto; 17) alegou não ter incorrido em ilegalidade, pois, a aprovação ou não, em teste de gotejamento, não compõe dever de informação da BRF; 18) alegou que a BRF não teria violado nenhuma norma inscrita nos artigos elencados na instauração do presente processo administrativo.
Era o que cabia relatar. Passa-se a opinar.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Análise das questões preliminares processuais: incompetência do DPDC e bis in idem.
Neste particular, cabe salientar, que embora a autoridade técnica tenha se utilizado da legislação consumerista para respaldar suas conclusões, as condutas reportadas não se confundem. Em um primeiro momento, trata-se de infrações sanitárias sancionadas pelo MAPA e, no presente processo administrativo, de infrações consumeristas, sancionadas por este DPDC.
Assim, ainda que se trate de fatos conexos, os mesmos são apreciados à luz de arcabouços regulatórios diversos, como visto acima.
Ressalte-se que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) posicionou-se no mesmo entendimento, no sentido de que não há bis in idem na esfera administrativa. No RMS n. 26397 BA 2008/0039400-9, o relator Ministro Humberto Martins verificou que não ocorreu bis in idem na aplicação de multa pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e também pelo Procon. Confira-se:
ADMINISTRATIVO E CONSUMIDOR - PUBLICIDADE ENGANOSA - MULTA APLICADA POR PROCON A SEGURADORA PRIVADA - ALEGAÇÃO DE BIS IN IDEM, POIS A PENA SOMENTE PODERIA SER APLICADA PELA SUSEP - NÃO-OCORRÊNCIA - SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR - SNDC - POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MULTA EM CONCORRÊNCIA POR QUALQUER ÓRGÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, PÚBLICO OU PRIVADO, FEDERAL, ESTADUAL, MUNICIPAL OU DISTRITAL. 1. A tese da recorrente é a de que o Procon não teria atribuição para a aplicação de sanções administrativas às seguradoras privadas, pois, com base no Decreto n. 73/66, somente à Susep caberia a normatização e fiscalização das operações de capitalização. Assim, a multa discutida no caso dos autos implicaria verdadeiro bis in idem e enriquecimento sem causa dos Estados, uma vez que a Susep é autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda; enquanto que o Procon, às Secretarias de Justiça Estaduais. 2. Não se há falar em bis in idem ou enriquecimento sem causa do Estado porque à Susep cabe apenas a fiscalização e normatização das operações de capitalização pura e simples, nos termos do Decreto n. 73/66. Quando qualquer prestação de serviço ou colocação de produto no mercado envolver relação de consumo, exsurge, em prol da Política Nacional das Relações de Consumo estatuída nos arts. 4º e 5º do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC que, nos termos do art. 105 do Código de Defesa do Consumidor é integrado por órgãos federais, estaduais, municipais e do Distrito Federal, além das entidades privadas que têm por objeto a defesa do consumidor. Recurso ordinário improvido.
(STJ - RMS: 26397 BA 2008/0039400-9, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 01/04/2008, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: --> DJe 11/04/2008 RNDJ vol. 103 p. 108) (grifos nossos).
Assim, rejeitam-se as preliminares em análise.
Análise das questões preliminares processuais: cerceamento de defesa e inépcia
Antes de adentrar ao mérito da demanda, faz-se necessário analisar preliminares suscitas pela representada em suas manifestações perante este DPDC.
Em sua manifestação (apenso: 08012.001311/2017-15; SEI: 4417930) alegou que o mandado de intimação nº 3/2017/CCSS/CGTSA/DPDC/SENACON, foi encaminhado a um centro de distribuição, não sendo sede da companhia, tampouco possuindo escritório administrativo formal. Por fim, alegou que teve conhecimento por meio de notícias da mídia e só obteve acesso às cópias dos documentos disponibilizados à consulta pública e não à integra dos autos.
Contudo, conforme será demonstrado, tais argumentos não merecem prosperar. Isso porque o comparecimento espontâneo da representada supre eventuais vícios na intimação. Conforme entendimento exarado pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça:
"É pacífico nesta Corte Superior o entendimento segundo o qual o comparecimento espontâneo aos autos para argüição de nulidade relativa a atos de citação e intimação supre possíveis vícios de comunicação processual, contando-se o prazo recursal eventualmente cabível a partir da data do comparecimento, que coincide com a data da ciência inequívoca da decisão a ser impugnada" (REsp 1236712/GO, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe 11.11.2011). AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. IAC no REsp 1604412/SC. CARGA DOS AUTOS POR 9 (NOVE) ANOS. CERTIDÃO. PRESUNÇÃO. INTIMAÇÃO. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO. NULIDADE. SUPRIMENTO. NÃO PROVIMENTO.
Sendo oportunizado à representada a juntada de defesa administrativa perante este DPDC, para além disso, consta no Sistema de Gerenciamento e Disponibilização de Acesso Externo os cadastros dos senhores: Fernando Pessoa Novis e Guilherme Silveira Coelho já no ano de 2017.
Ademais, quando da juntada dos autos de infração remetidos pelo MAPA, este DPDC facultou à representada possibilidade de se manifestar acerca das informações. Corroborando o zelo deste DPDC com a regular instrução do presente feito, ao constatar que documento pertinente ao processo não havia sido colacionado aos autos, procedeu a juntada do mesmo e novamente facultou à representada manifestação acerca de seu teor.
Por fim, em 27 de novembro de 2020, por meio do Despacho nº 1159 (13317868), este DPDC intimou a representada para apresentar suas alegações finais, conforme garantido pela Lei 9784/1999. Isso posto, resta evidente o respeito deste DPDC ao primado da ampla defesa e do contraditório, evidenciando que foi assegurado à representada o direito de se manifestar livremente nos autos.
Para além disso, conforme relatório acima, em diversos atos de instrução do presente processo administrativo, sempre foi oportunizado à representada sua manifestação acerca de tais atos processuais, demonstrando o respeito deste DPDC pelo primado da ampla defesa e do contraditório.
Prosseguindo na apreciação das preliminares em análise, em suas Alegações Finais, a representada alegou que a instrução probatória teria se encerrado de forma abrupta, impedindo que a representada pudesse exercer de forma plena seu direito de defesa, seja por meio de contestar a validade dos autos de infração exarados pelo MAPA, que servem como provas para a presente Nota Técnica, seja ao juntar laudos que pudessem eximir a conduta imputada à representada.
Isso também não merece prosperar.
Inicialmente, ao se tratar do argumento de cerceamento de defesa por encerramento abrupto da instrução processual, temos que os Autos de Infração, que a representada tenta impugnar, tramitam no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento desde o ano de 2017, sendo que a representada buscou e busca a sua descaracterização, não obtendo sucesso em nenhum dos 34 autos de infração juntados ao presente processo. Compulsando os autos de infração em questão, é pontuar que, em várias oportunidades, a representada apresentara suas próprias manifestações técnicas impugnando a os laudos produzidos pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento.
Isto é a representada tenta desconstituir a validade dos autos de infração, lançando mão de argumentos técnicos, exaustivamente debatidos em sede de 34 procedimentos administrativos decorrentes de autos de infração emitidos pelo MAPA. Ou seja, a representada tenta, no presente processo administrativo, desacreditar e deslegitimar autos de infração exarados pelo MAPA, sendo que a mesma argumentação foi apresentada perante o órgão técnico do setor e indeferida em todos os 34 (trinta e quatro) procedimentos.
Ademais, o processo não pode se destinar à produção de diligências protelatórias e nem inúteis. Se a representada entende que os as manifestações técnicas que apresentou perante o MAPA realmente merecem alguma apreciação enquanto prova para atestar a invalidade dos testes de gotejamento feito em sede fiscalizatória (o que, aliás, foi apreciado no âmbito das decisões proferidas em tais procedimentos), a apresentação de novos laudos apenas tem o condão de retardar o andamento do presente procedimento sancionador. Do contrário, terá produzido um prova imprestável perante tal órgão técnico, pois, a apresentação de novo laudo implicaria na imprestabilidade dos primeiros que foram apresentados sem qualquer motivo plausível. Se os técnicos da representadas, eventualmente, não tiveram condições (seja porque os fatos em apreciação não autorizariam conclusão em sentido diverso, seja por algum outro motivo ora ignorado), paciência!
Aliás, a própria representada informa em suas alegações finais que as suas manifestações já seriam suficientes para tanto, o que reforça o caráter meramente protelatório de tal requerimento, que sequer esclareceu o que seria produzido e com que objetivo, verbis:
Retome-se nestas alegações finais os principais requisitos que devem ser observados para se assegurar a confiabilidade mínima desses ensaios (explicitados em parecer específico da especialista Dra. Simone da Costa Machado, já apresentado nestes autos) (Grifos acrescidos)
Ou seja, a própria representada informa que juntou aos presentes autos, parecer específico de especialista de sua confiança, Dra. Simone da Costa Machado, já apresentado nos presentes autos. Assim sendo, resta claro e inequívoco o respeito deste DPDC pela ampla defesa e produção de provas, podendo a representada se manifestar perante todos os Autos de Infração juntados e, inclusive, com juntada de parecer específico feito por especialista, para basear sua defesa.
Para além do já informado, é forçoso se admitir que a representada tivera, ao longo de todo o desenrolar processual, oportunidade de se manifestar tecnicamente. Em análise dos 34 Autos de Infração, a representada manifestou interesse em produzir contraprova pericial em todos os autos (embora não tenha apresentado contraprova em todos os casos em que requerera, normalmente por problemas na custódia da contraprova), apresentou defesa administrativa em todos os procedimentos administrativos perante o MAPA, em primeira e segunda instância, e, por fim, repetiu os argumentos técnicos perante este DPDC, argumentos estes que foram afastados pelo órgão técnico responsável.
Assim, afastam-se as preliminares de cerceamento de defesa e inépcia da intimação.
Fundamentação. Mérito
O presente processo administrativo, conforme reportado no relatório, teve início após notícia publicada sobre a deflagração da Operação "Carne Fraca", da Polícia Federal, segundo a qual haveria fraude em carnes distribuídas pela empresa supracitada, inclusive com supostos produtos adulterados e inseguros para o consumo humano.
Posteriormente, em 06 de abril de 2017, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA encaminhou ao DPDC o Ofício nº 87/2017/DIPOA-SDA - MAPA (4225927), do qual consta a informação de que as análises laboratoriais realizadas nos produtos elaborados no estabelecimento da BRF, sob o SIF 1010, localizado em Mineiros/GO, apontaram para 13 (treze) análises com irregularidades no dripping test, o método de prova para determinar o teor de líquido perdido por degelo de frangos congelados.
Este DPDC, por meio do Ofício nº 146 (11544089), de 28 de abril de 2020, solicitou novas informações e andamentos ao Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. Ato contínuo, o MAPA remeteu a este DPDC 35 (trinta e cinco) autos de infração relativos a BRF SIF 1010. Abaixo, encontra-se tabela síntese dos referidos autos de infração compartilhados pelo MAPA:
Tabela 01. Síntese dos autos de infração do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento.
Auto de infração nº (SEI) |
Nº processo MAPA |
Índice no Teste de gotejamento |
Representada solicitou Contraprova |
Compareceu? |
Resultado da Contraprova |
1ª Instância |
2ª Instância |
313 |
21052.027519/2017-56 |
6,9% |
Sim. |
Lacre violado |
n.a |
Condenação. Multa: 200 mil reais. |
Pendente. |
311 |
21052.027516/2017-12 |
7,8% |
Sim. |
Não. |
n.a |
Condenação. Multa: 200 mil reais. |
Pendente. |
310 |
21052.027514/2017-23 |
7,1% |
Sim. |
Não. |
n.a |
Condenação. Multa: 200 mil reais. |
Pendente. |
312 |
21052.027517/2017-67 |
7,9% |
Sim. |
Compareceu sem a amostra de Lacre nº 586891. |
n.a |
Condenação. Multa: 200 mil reais. |
Pendente. |
05 |
21020.001666/2017-73 |
6,74% |
Sim. |
Não. |
n.a |
Condenação. Multa: 15.648,52 reais |
Condenação. Multa: 15.648,52 reais |
12 |
21020.001888/2017-96 |
6,4% |
Sim. |
Sim. |
6,4% |
Condenação. Multa: 15.648,52 reais |
Pendente. |
04 |
21020.001665/2017-29 |
6,96% |
Sim. |
Não. |
n.a |
Condenação. Multa: 15.648,52 reais |
Condenação. Multa: 15.648,52 reais |
35 |
21020.004397/2017-05 |
7,1% |
Sim. |
Não. |
n.a |
Condenação. Multa: 15.648,52 reais |
Condenação. Multa: 15.648,52 reais |
10
|
21020.001883/2017-63 |
8,4% |
Sim. |
Sim. |
8,6% |
Condenação. Multa: 15.648,52 reais |
Condenação. Multa: 350 mil reais. |
32 |
21020.004395/2017-16 |
6,4% |
Sim. |
Não. |
n.a |
Condenação. Multa: 15.648,52 reais |
Condenação. Multa: 15.648,52 reais |
08 |
21020.001879/2017-03 |
7,1% |
Sim. |
Sim. |
7,5% |
Condenação. Multa: 350 mil reais. |
Condenação. Multa: 350 mil reais. |
11 |
21020.001884/2017-16 |
7,7% |
Sim. |
Não. |
n.a |
Condenação. Multa: 15.648,52 reais |
Condenação. Multa: 15.648,52 reais |
06 |
21020.001667/2017-18 |
8% |
Sim. |
Sim. |
7,3% |
Condenação. Multa: 15.648,52 reais. |
Pendente. |
02 |
21020.001651/2017-13 |
7,6% |
Sim. |
Não. |
n.a |
Condenação. Multa: 15.648,52 reais |
Condenação. Multa: 15.648,52 reais |
18 |
21020.002063/2017-99 |
8,7% |
Sim. |
Sim. |
7,7% |
Condenação. Multa: 15.648,52 reais |
Pendente. |
17 |
21020.002062/2017-44 |
7,1% |
Sim. |
Sim. |
6,9% |
Condenação. Multa: 15.648,52 reais |
Pendente. |
09 |
21202.001882/2017-19 |
7,7% |
Sim. |
Sim. |
7% |
Condenação. Multa: 15.648,52 reais |
Condenação. Multa: 400 mil reais. |
04 |
21005.000285/2017-65 |
6,51% |
Sim. |
Sim. |
7,38% |
Condenação. Multa: 10.953,96. |
Condenação. Multa: 10.953,96. |
06 |
21005.000295/2017-09 |
8,07% |
Sim. |
Sim. |
10,58% |
Condenação. Multa: 10.953,96. |
Condenação. Multa: 10.953,96. |
23 |
21036.001496/2017-58 |
8,3% |
Sim. |
Sim. |
10,9% |
Pendente. |
Não há. |
24 |
21036.001497/2017-01 |
6,6% |
Sim. |
Sim. |
5,8% 6,8% |
Pendente. |
Não há. |
26 |
21036.001500/2017-88 |
8,2% |
Sim. |
Não. |
n.a |
Condenação. Multa: 500 mil reais. |
Pendente. |
24 |
|
6,2% |
Sim. |
Sim. |
6,7% |
Condenação. Multa: 350 mil reais. |
Pendente. |
16 |
21020.002059/2017-21 |
6,7% |
Sim. |
Sim. |
7,9% |
Condenação. Multa: 350 mil reais. |
Pendente. |
22 |
21036.001495/2017-11 |
7,6 |
Sim. |
Produto desconforme. |
Não. |
Pendente. |
Pendente. |
19 |
21020.002113/2017-38 |
8,2% |
Sim. |
Sim. |
8% |
Condenação. Multa: 350 mil reais. |
Pendente. |
21 |
21020.002321/2017-11 |
7,1% |
Sim. |
Sim. |
6,2% |
Pendente. |
Pendente. |
08 |
21005.000306/2017-42 |
7,29% |
Sim. |
Sim. |
9,69% |
Condenação. Multa: 10.953,96. |
Não recorreu. |
23 |
21020.002551/2017-04 |
8,1% |
Sim. |
Sim. |
7,2% |
Condenação. Multa: 350 mil reais. |
Não recorreu. |
15 |
21020.002058/2017-86
|
6,5% |
Sim. |
Sim. |
6,2% |
Condenação. Multa: 350 mil reais. |
-- |
22 |
21020.002343/2017-05 |
6,1% |
Sim. |
Sim. |
6,6% |
Condenação. Multa: 350 mil reais. |
-- |
03 |
21005.000278/2017-63 |
8,19% |
Sim. |
Sim. |
10,97% |
Condenação. Multa: 10.953,96. |
-- |
07 |
21005.000294/2017-56 |
6,08% |
Sim. |
Sim. |
6,94% |
Condenação. Multa: 10.953,96. |
-- |
05 |
21005.000286/2017-18 |
8,68% |
Sim. |
Sim. |
8,52% |
Condenação. Multa: 10.953,96. |
-- |
Conforme tabela acima, constatam-se 34 (trinta e quatro) autos de infração, lavrados pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, contra a representada, onde foi oportunizado, em todos os processos perante o órgão técnico, a realização e participação da representada no chamado exame de contraprova pericial. Restando evidente o respeito do órgão técnico pela ampla defesa e contraditório, tendo a representada, quando quis, apresentados vários laudos por ela mesmas produzidos.
Evidencia-se que, no procedimento nº 21052.027519/2017-56 o lacre estava violado e que, no procedimento nº 21052.027517/2017-67, a representada compareceu sem a amostra de lacre nº 586891. Conforme afirmado em sua defesa de 17 de agosto de 2020 (12411351) onde a representada alegou que não teria sido oportunizada realização de Contra Prova Pericial no procedimento nº 21052.027519/2017-56, Auto de Infração nº 312 (11810299), o MAPA apontou que de fato, a representada não compareceu com a amostra de lacre solicitado, maculando, desta forma, a cadeia de custódia exigida por lei e na regulamentação aplicável (notadamente o disposto no Decreto 9.013/2017.
Oportuno, neste momento, fazer breve explicação acerca do funcionamento dos referidos testes. As amostras coletadas para o teste de gotejamento realizados pelo MAPA ocorrem da seguinte forma: (i) as amostras são coletadas em triplicata, sendo cada amostra composta de: (prova, contraprova LFDA/SIF e contraprova empresa); (ii) cada amostra deve ser composta de 6 carcaças de aves congeladas; (iii) as amostras devem ser coletadas após o congelamento e (iv) a escolha das amostras deve ser aleatória. Todas as amostras são lacradas garantindo a cadeia de custódia das amostras. A relação umidade/proteína em carcaças resfriadas de frango foi estabelecida pela Instrução Normativa nº 20, de 1999. O Anexo VI, item 2.15 B da Portaria nº 210 de 10 de novembro de 1998 estipulou o limite legal de 6,0% como máximo permitido.
Ainda, em vários dos procedimentos sancionadores conduzidos no MAPA, inferiu-se que a representada trata-se adulteradora habitual de produtos.
Ainda, são dezesseis os autos de infração lavrados pelo MAPA, já em âmbito de Varejo: 21052.027519/2017-56 (11809808); 21052.027516/2017-12 (11810224); 21052.027514/2017-23 (11810260); 21052.027517/2017-67 (11810299); 21020.001666/2017-73 (11810319); 21020.001665/2017-29 (11810361); 21020.004397/2017-05 (11810401); 21020.001655/2017-93 (11810361); 21020.004395/2017-16 (11810441); 21020.001884/2017-16 (11810476); 21020.001651/2017-13 (11810497); 21005.000285/2017-65 (11810553); 21005.000306/2017-42 (11817024); 21005.000286/2017-18 (11817148); 21005.000294/2017-56 (11817195); e 21005.000278/2017-63 (11817240).
Tais procedimentos apontam que os produtos em desconformidade já se encontravam acessíveis ao consumidor final, tornando a constatação ainda mais gravosa, pois já estavam disponíveis para consumo. Aliás, tal informação é confirmada pela representada em sua defesa (12411351), crendo que o fato das amostras terem sido coletadas pelo MAPA, em âmbito de Varejo, invalidariam o resultado obtido. Restando evidente a gravidade do que foi relatado nos autos e sendo corroborado pela própria representada.
Argumentação semelhante foi apresentada junto ao MAPA, no sentido que a coleta das amostras em sede de Varejo poderiam invalidar os resultados obtidos pelo MAPA, ao seu turno, o órgão técnico asseverou que a empresa não teve êxito em comprovar tais alegações.
A própria autoridade técnica, ao se manifestar acerca das alegações de que a coleta das amostras, já em sede de Varejo, poderiam comprometer os resultados do Teste de Gotejamento realizados, informou que a colheita das amostras ocorreu em estrito cumprimento das determinações do DIPOA.
Ademais, o próprio órgão técnico se baseou, em suas fundamentações, na legislação consumerista, ao pontuar que é vedado ao fornecedor de produtos colocar no mercado de consumo qualquer produto em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes (art. 39 inciso VIII). Cabendo à indústria, a qualquer momento, demonstrar, através de evidências, que os produtos oferecidos ao comércio atendem à legislação vigente. Aliás, o fornecedor é responsável pelos produtos que produz, seja por defeito que comprometer a saúde ou segurança do consumidor, seja por vício de qualidade/quantidade que lhe diminua o valor (CDC, arts. 12 e 18), até que o produto chegue ao seu consumidor final.
Em tempo, ponto que deve ser esclarecido na presente Nota Técnica diz respeito aos argumentos de defesa fornecidos pela representada. Tais argumentos são de ordem técnica e semelhantes ao já apresentados pela representada perante o MAPA. Neste momento, cumpre salientar que este DPDC não irá realizar análise técnica de tais argumentos, pois estes já foram exaustivamente analisados pelo órgão técnico competente sendo todos considerados inconsistentes e improcedentes. Ainda, o MAPA, ao analisar as autuações, vem rejeitando as razões de defesa trazidas pela representada, inferindo, em síntese, que, 01) conforme art. 470 do Dec. 9.013/2017, é de responsabilidade do detentor ou do responsável pelo produto, a conservação de sua amostra de contraprova, de modo a garantir a sua integridade física; 02) que não há demonstração de que a amostra tenha ficado acondicionada fora do limite dos 12 graus negativos entre a sua coleta e teste, que os laboratórios oficiais utilizam método de validação, não sendo aceitas amostras com temperaturas inadequadas e que as amostras são coletadas na presença tanto de funcionário da empresa, sendo a Solicitação Oficial de Análise assinada pelo representante legal.
A representada, em sua defesa, questionou: (i) a metodologia e a realização dos testes de gotejamento; (ii) cadeia de custódia das amostras e (iii) cadeia de frio dos produtos apreendidos e analisados. Novamente, se tratam de argumentos de ordem técnica que foram exaustivamente analisados e rebatidos pelo órgão técnico competente, não cabendo a este DPDC adentrar em tais pontos, que já se encontram devidamente superados.
Impende salientar que em todos os autos de infração ora analisados, o órgão técnico oportunizou a realização e o acompanhamento, por parte da representada, dos exames de contraprova pericial, sendo que a mesma manifestou interesse em realizar e comparecer a todos. Cabendo registro que em 21 (vinte e um) dos 34 (trinta e quatro) procedimentos, quando a representada compareceu para a realização da contraprova, os índices do teste de gotejamento realizado se mantiveram em patamar semelhante ao da infração original. Destaque-se, por oportuno, que a realização de contraprova acarretou índice superior ao inicialmente encontrado em alguns casos (vide tabela acima).
Por mais que este DPDC esteja evidenciando os casos em que as sanções aplicadas pelo órgão técnico responsável tenham declarado a representada como adulteradora habitual de produtos e também apontado para autos de infração lavrados quando os produtos já se encontravam acessíveis ao consumidor final, salienta-se que o total de procedimentos ora em análise corresponde a um universo de 34 ( trinta e quatro) autos de infrações e, mesmo que em alguns casos a sanção aplicada pela autoridade técnica não tenha sido tão gravosa quanto as demais, ainda persistem os mesmos fatos e as mesmas desconformidades.
Essa coletânea de provas alargaram consideravelmente o objeto do presente processo administrativo, pois, inicialmente, foram reportados à este DPDC pelo menos 08 (oito) lotes com irregularidades e 13 (treze) Certificados Oficiais de Análises em desconformidade. Porém, com o auxílio do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, foram produzidas novas provas que robustecem a ocorrência da representada na conduta em apuração, restando difícil acolher a tese de defesa da representada, sugerindo se tratarem de fatos isolados.
Pelo contrário, as informações e provas ora colacionadas apontam para uma adulteração habitual e constante dos produtos e que mesmo sendo apontada e punida pelo órgão técnico responsável, continuou a ocorrer.
O acervo probatório juntado aos presentes autos, a incapacidade técnica da representada em apresentar, perante o órgão técnico, justificativas plausíveis para a conduta, que de acordo com o próprio MAPA, são reiteradas e habituais, apontam para a conclusão de não se tratarem de fatos isolados, mas de habitualidade da conduta por parte da representada, lesando, assim, com frequência e regularidade, os consumidores.
Por fim, é importante destacar que a proteção do consumidor possui assento constitucional e é direito fundamental, o que se evidencia pelo disposto no artigo 5º, XXXII, da Magna Carta. Para dar cumprimento e concretude ao mandamento constitucional, foi aprovado o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990), que constitui um microssistema jurídico que determina a prevalência do princípio da boa-fé e da transparência nas relações de consumo, com o intuito de garantir a harmonização do interesse das partes. Tais princípios estão expressamente previstos no artigo 4º do CDC, traduzindo o interesse na segurança das relações de consumo e determinando que as partes se relacionem com lealdade e segurança recíprocas.
Neste sentido é que o artigo 4º do CDC enumera uma série de princípios da Política Nacional de Relações de Consumo, dentre os quais a maior proteção ao consumidor face à sua vulnerabilidade, bem como a necessária boa-fé e o equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. (grifo nosso)
Nesse sentido, é dever do fornecedor não se escusar de prestar informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
Mais ainda, o artigo 6º da Lei 8.078/90 dispõe sobre os direitos básicos do consumidor:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (Redação dada pela Lei nº 12.741, de 2012); IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços. (grifo nosso)
Noutro diapasão, prevê o Código de Defesa do Consumidor que os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas, conforme estabelecido pelo artigo 18, caput, da Lei 8.078/90:
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. (grifamos)
Aliás, não é a informação sobre a aprovação ou não, em teste de dripping, que é exigida do fornecedor mas sim, sobre a composição do produto quanto à sua qualidade e quantidade, que apresenta teor de água acima do normativamente permitido. Exemplificativamente, num frango de dois quilos, o que se tem é mais de cento e vinte gramas de sua composição seria indevidamente água. Isso configura violação a tal disposição.
Na mesma esteira, o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu o direito à informação, primordial para a realização da adequada relação de consumo. Consoante o artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. Parágrafo único. As informações de que trata este artigo, nos produtos refrigerados oferecidos ao consumidor, serão gravadas de forma indelével. (Incluído pela Lei nº 11.989, de 2009)
Ademais, para garantir a efetiva proteção do consumidor, a Lei 8.078/90 dispôs o rol das chamadas práticas abusivas, ou seja, condutas vedadas ao fornecedor. O rol, não taxativo, traz em seu bojo:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro).(grifo nosso)
Finalmente, ainda em rápida leitura do Código de Defesa do Consumidor, merece destaque a tipificação da conduta de fazer afirmação falsa ou enganosa sobre ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, desempenho de produtos, nos termos seguintes:
Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços: Pena - Detenção de três meses a um ano e multa. § 1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta. § 2º Se o crime é culposo; Pena Detenção de um a seis meses ou multa.
Assim, o que se tem nos presentes autos diz respeito a análises laboratoriais, realizadas em laboratórios oficiais, que deram conta de que os frangos congelados produzidos pela BRF S.A., de pelo menos 34 autos de infração descrevendo irregularidades, assim apontadas em documentação oficial, correspondente a teor de água em congelados superior ao permitido pela legislação vigente. Nota-se, por conseguinte, para flagrante comercialização de produtos destinados à alimentação humana em conflito com as normas aplicáveis ao processo de produção e comercialização desse tipo de produto.
Além do quanto apontado a partir da legislação específica que rege as relações de consumo, análise apontou para a violação da boa-fé objetiva, do direito à informação e da transparência entre fornecedor e consumidores, notadamente pela utilização de teor de água maior que o limite tolerável para o congelamento dos produtos, tem-se, como supramencionado, o aspecto técnico relativo a esses produtos. Consoante apontado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA, órgão responsável pela fiscalização de produtos de origem animal no Brasil, essas irregularidades demonstraram descumprimento das regras do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária, bem como o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA).
Desse modo, considerando os resultados das auditorias levadas a efeito pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA, que detectaram irregularidades nos produtos comercializados pela BRF, quais sejam, os frangos congelados da marca Sadia, que apresentaram teor de água maior que o limite tolerável pela legislação, verifica-se conduta em conflito com as normas vigentes.
Em tempo, no que se refere à eventual atipicidade alegada pela representada, também se rejeita tal ponto, pelos fundamentos acima trazidos.
III. CONCLUSÕES E DA DOSIMETRIA DA SANÇÃO ADMINISTRATIVA DE MULTA
Assim, compulsando a documentação acostada aos presentes autos, constata-se infração ao disposto nos artigos 4º, incs. I e III, 6º, incs. III e IV, 18, 31, 39, inc. VIII, e 66, todos do Código de Defesa do Consumidor, para os produtos "frango inteiro" e "frango congelado com miúdos", fabricado na planta de Mineiros/GO, conforme amostras colhidas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, entre 30/03/2017 e 29/09/2017.
Para a dosimetria da pena de multa, considera-se:
- o Despacho do Despacho 495/2017/CCSS/CGCTSA/DPDC/SENACON (4226596), de 09/05/2017, que instaurou o presente processo administrativo decorrente de averiguação preliminar, como ato equivalente ao auto de infração de que trata o § 1º do art. 12 da Portaria nº 7, de 5 de maio de 2016, que disciplina a aplicação de sanções administrativas, no âmbito da Senacon, por decidir pela existência de indícios de infração nos fatos relatados nos autos;
- os 03 (três) meses anteriores à data da lavratura do auto de infração, nos termos do § 1º do art. 12 da citada Portaria, para se apurar a condição econômica do fornecedor;
De acordo com o art. 13 do aludido ato administrativo, a fórmula de cálculo PB = (NAT x ED x CEPE x CERBM), a partir da qual se chegou à pena base a ser aplicada à infração, onde:
PB = Pena-Base;
NAT = Enquadramento da infração no grupo equivalente à sua natureza e gravidade;
ED = Extensão do Dano (individual, coletivo ou difuso);
CEPE = Condição Econômica - Porte Econômico da Empresa;
CERBM = Condição Econômica - Renda Mensal Bruta.
- Grupo III como o enquadramento da infração ora capitulada (exposição à venda de produtos em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação), quanto sua natureza e gravidade, correspondendo ao fator de multiplicação 3;
- dano difuso quanto à sua extensão, correspondendo ao fator de multiplicação 7,5, por se dirigir aos consumidores brasileiros como um todo e de forma indistinta;
- que a fornecedora deve ser classificada como empresa de grande porte por ter faturamento superior a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais) no ano de 2017, conforme comunicado de imprensa da própria representada (disponível em https://imprensa.brf-global.com/pt/noticias/receita-liquida-da-brf-atinge-r-89-bilhoes-no-4-trimestre, acesso em 12/01/2021); correspondendo o CEPE da representada ao fator de multiplicação 100;
- para o cálculo da Receita Mensal Bruta, cabe inicialmente uma ponderação. Por questões de proporcionalidade, assiste razão à representada a utilização da média das receitas do estabelecimento de Mineiros/MG, uma vez que a fabricação dos produtos que são apurados no presente procedimento sancionador se deu apenas ali. No entanto, deve ser consideradas todas as receitas do estabelecimento, uma vez que a Portaria 07/2016 não faz esse tipo de diferenciação (utilizando o termo renda mensal bruta) e que a realocação das carcaças em outros estabelecimentos são apenas um consectário do processo de produção até a sua chegada ao consumidor final. Isto é, de um jeito ou de outro, o produto chegará ao consumidor final. Isso colocado, a representada informa uma receita mensal bruta de R$ 156.505.389,18 (cento e cinquenta e seis milhões, quinhentos e cinco mil trezentos e oitenta e nove reais e dezoito centavos) nos três meses anteriores à instauração do presente procedimento (fevereiro a abril de 2017), o que totaliza uma média de R$ 52.168.463,06 (cinquenta e dois milhões, cento e sessenta e oito mil quatrocentos e sessenta e três reais e seis centavos) mensais. Tal valor, atualizado pelo IPCA-E para dezembro de 2020 (última divulgação da série histórica), totaliza R$ 59.806.640,76 (cinquenta e nove milhões, oitocentos e seis mil seiscentos e quarenta reais e setenta e seis centavos) de média mensal. Corresponde, assim, o CERBM da representada ao critério 0,004% da receita mensal bruta, por se tratar de EMP, equivalendo a R$ 2.392,26 (dois mil trezentos e noventa e dois reais e vinte e seis centavos).
Assim:
PB = (NAT x ED x CEPE x CERBM)
PB = 3 x 7,5 x 100 x 2392,26
PB = 5.382.585,00
Fixada, dessa maneira, a pena-base em R$ 5.382.585,00 (cinco milhões, trezentos e oitenta e dois mil quinhentos e oitenta e cinco reais) .
Quanto às atenuantes, reconhece-se a ser a infratora primária (art. 25, inc. II, do Decreto nº 2.181, de 1997).
Quanto às agravantes, verifica-se que a infratora, por ter colocado o produto à venda a coletividade consumerista como um todo, fê-la, também, em detrimento de menor de dezoito ou maior de sessenta anos ou de pessoas portadoras de deficiência física, mental ou sensorial (art. 26, inc. VII, do Decreto nº 2.181, de 1997).
Assim, compensam-se as circunstâncias em questão.
Diante disso, e não havendo circunstâncias que evidenciem que a pena aplicada seja desproporcional ante as circunstâncias do caso (que envolvem exposição, inclusive, de consumidores de menor poder aquisitivo, a práticas nocivas nos alimentos que ingerem, haja vista que o caso envolve o fornecimento de proteína animal é item essencial de sua alimentação e os produtos em apuração são de grande procura entre eles), torna-se a pena-base definitiva.
Conclui-se, por fim, que não é o caso da aplicação de outras penalidades cominadas na Lei n.º 8.078, de 1990.
IV. PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO
Considerando, portanto, estar caracterizada a prática de infração à legislação consumerista, observando-se os artigos 56 e 57, da Lei nº 8.078, de 1990; 18, 22, 24 e 28 do Decreto nº 2.181, de 1997; e 9º, 12 e 13 da Portaria Senacon nº 7, de 2016, recomenda-se a aplicação de sanção administrativa de multa no valor de R$ 5.382.585,00 (cinco milhões, trezentos e oitenta e dois mil quinhentos e oitenta e cinco reais) a representada, CNPJ nº 01.838.723/0001-27.
Recomenda-se, igualmente:
- intimar a representada para recolher o valor definitivo da multa em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), nos termos da Resolução CFDD nº 30, de 26 de novembro de 2013, consoante determina o art. 29 do Decreto nº 2.181, de 1997, sendo que, nos termos da Portaria Senacon nº 8, de 5 abril de 2017, Capítulo IV, que trata do recolhimento da multa aplicada nos processos administrativos que tramitem nesta Secretaria, o preenchimento da Guia de Recolhimento da União (GRU), realizado conforme instruções constantes do Anexo I dessa Portaria, e sua expedição são deveres da parte interessada, bem com a juntada de cópia dessa Guia aos autos no prazo de 5 (cinco) dias a partir do recolhimento, a fim de que seja arquivado o processo, cuja não ocorrência acarretará a falta de identificação de pagamento da multa e, dentro do prazo de 30 (trinta) dias, ensejará a inscrição do débito em dívida ativa da União. Registra-se que em caso de renúncia ao direito de recorrer desta decisão, a representada fará jus a um fator de redução de 25% (vinte cinco por cento) no valor da multa aplicada, em conformidade à Portaria Senacon nº 14, de 19 de março de 2020, desde que observadas as condições ali estabelecidas;
- transcorrido o prazo recursal sem interposição de recurso pela representada, remeter os autos à Coordenação-Geral de Administração, Orçamento e Finanças (CGAOF), para verificar o pagamento da multa;
- não havendo, nos autos, comprovação de recolhimento da multa, encaminhá-los à CGCTSA para requerer à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) a inscrição do débito, vencido e não-pago, em Dívida Ativa da União (DAU), em respeito ao art. 39 da Lei n° 4.320, de 17 de março de 1964, e ao art. 2º da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980;
- expedir ofício circular aos órgãos e entidades integrantes do SNDC, com cópia deste documento e do Despacho decisório do DPDC, ao propósito de cientificá-las, em observância ao art. 19, inc. V, do RI-Senacon.
JOSÉ GUILHERME TANURE BACELAR
Chefe da Divisão de Sanções Administrativas
De acordo.
À consideração superior.
ALINE ROBERTA VELOSO RANGEL
Coordenadora de Sanções Administrativas
De acordo.
À apreciação do Diretor de Proteção e Defesa do Consumidor.
LEONARDO ALBUQUERQUE MARQUES
Coordenador-Geral de Consultoria Técnica e Sanções Administrativas
| Documento assinado eletronicamente por Leonardo Albuquerque Marques, Coordenador(a)-Geral de Consultoria Técnica e Sanções Administrativas, em 27/01/2021, às 20:36, conforme o § 1º do art. 6º e art. 10 do Decreto nº 8.539/2015. |
| Documento assinado eletronicamente por Aline Roberta Veloso Rangel, Coordenador(a) de Sanções Administrativas, em 27/01/2021, às 21:04, conforme o § 1º do art. 6º e art. 10 do Decreto nº 8.539/2015. |
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Referência: Processo nº 08012.000644/2017-27 | SEI nº 13675852 |