As últimas plenárias da 7ª Conferência Latino-americana do Ministério Público da Associação Internacional dos Promotores (IAP) ocorreram na manhã e tarde desta sexta-feira (30/06) no auditório da Universidade do Parlamento Cearense, em Fortaleza. Ao longo de três dias, a conferência reuniu autoridades, membros do MP brasileiro e delegações de países das Américas, Europa e Ásia. Nesta sexta-feira, o evento contou com duas sessões plenárias, que discutiram “Cooperação internacional” e “O uso de novas tecnologias e crimes cibernéticos”, e foi encerrado com a aula magna “A investigação, a acusação e o julgamento do caso George Floyd”.
Cooperação internacional
A 6ª Sessão Plenária do evento debateu sobre “Cooperação internacional” e contou com duas palestras: “Cooperação internacional e o papel do Ministério Público Argentino”, ministrada pela procuradora-geral de Justiça substituta de Buenos Aires, Suzana Pernas, e “Novas perspectivas para a cooperação internacional na investigação de crimes transnacionais”, proferida pelo membro da Associação Latino-Americana de Direito Penal e Criminologia, Héctor Carreón Perea. A mesa foi presidida pela conselheira geral da IAP, Shenaz Muzaffer.
Ao abordar a cooperação internacional e as investigações de crimes transnacionais, Suzana Pernas afirmou que, com o tempo, percebeu-se que é preciso certa informalidade e trabalho indireto para a investigação cooperativa de crimes cometidos por organizações criminosas que atuam em múltiplos países e que a tecnologia tem ajudado muito nesse trabalho. Apesar disso, segundo ela, ainda há muito o que melhorar. “O crime organizado já tem suas próprias estratégias e nós precisamos encontrar nossas estratégias para combatê-lo. Eles já sabem como agir, para onde fugir e nós precisamos persegui-los”, explicou.
Já Héctor Carreón Perea iniciou sua explanação compartilhando algumas experiências profissionais e pessoais com a cooperação internacional e ressaltou que essa colaboração vai desde uma troca de informações mais informal até o repasse de dados relevantes que podem, inclusive, ajudar diretamente na conclusão de casos transnacionais. “É importante deixar bem claro qual tipo de informação será trocada, especialmente quando isso é feito de maneira informal”, pontuou, propondo ainda algumas estratégias para fortalecer a cooperação interinstitucional entre os Ministérios Públicos.
Novas tecnologias e crimes cibernéticos
“O uso de novas tecnologias e crimes cibernéticos” foi o tema da 7ª Sessão Plenária. A promotora de Justiça de San Martín (Argentina), Andrea Veronica Andoniades, falou sobre “Desenvolvimento e desafios na investigação de crimes cibernéticos”. Já o diretor da Unidade de Cooperação Internacional e Extradições da Procuradoria do Chile, Antonio Segovia, explanou sobre “Cooperação internacional e evidências digitais”. O conselheiro nacional do Conselho Nacional do Ministério Público, Moacyr Rey Filho, presidiu os trabalhos.
Andrea Veronica Andoniades ressaltou que, durante 2020, primeiro ano da pandemia de Covid-19, os crimes cibernéticos, principalmente os de caráter econômico, aumentaram 3000% na Argentina, o que levou o MP do país a agir. “Solicitamos relatórios bancários para entender onde estavam localizadas as contas para onde eram feitas as transferências e o IP dos aparelhos onde o acesso das contas era realizado, além da proteção do perfil das redes sociais das vítimas” detalhou a promotora. Andrea explicou ainda que investigações apontaram que a maioria dos golpes aplicados durante a pandemia era proveniente de unidades prisionais. O MP havia solicitado inibidor de sinal nos presídios, mas o pedido não foi atendido e os crimes seguem acontecendo.
Por sua vez, Antonio Segovia traçou um panorama das principais ferramentas e institutos de cooperação internacional que auxiliam na localização de evidências digitais que estejam em outras jurisdições. Ele também explicou o que são evidências digitais (dados contidos em aparelhos celulares e computadores, bem como aqueles transmitidos pela internet) e qual a importância de mantê-las a salvo para a resolução de crimes cibernéticos. “Podemos utilizar da cooperação internacional para preservar esses dados”, salientou, acrescentando que esses dados também podem ajudar a solucionar outros crimes.
Aula magna e encerramento
Logo após as plenárias, o vice-procurador-geral de Minnesota (Estados Unidos), John Keller, ministrou a aula magna da 7ª Conferência da IAP cujo tema foi “A investigação, a acusação e o julgamento do caso George Floyd”. Além do palestrante, a mesa contou com a presença do procurador-geral de Justiça do Ceará, Manuel Pinheiro; do presidente da Conamp, Manoel Murrieta; do secretário geral da IAP, Han Moraal; e da conselheira geral da IAP, Shenaz Muzaffer.
“Ninguém está acima ou abaixo da lei”, ressaltou John Keller logo no início da aula magna, destacando que o caso George Floyd ganhou notoriedade nos Estados Unidos, no Brasil e ao redor do mundo devido às experiências vividas pela população com o abuso de poder do Estado. O palestrante pontuou que 76% das constituições atualmente vigentes proíbem a discriminação de pessoas negras, mas, segundo ele, ainda há um longo caminho a se percorrer para que, de fato, isso se torne realidade.
John Keller falou ainda sobre as pressões enfrentadas por ele e pelo procurador-geral de Minnesota, Keith Ellison, ao assumir o caso George Floyd. Durante as investigações, ficou comprovado que os quatro policiais envolvidos no caso deveriam ser denunciados por violação dos direitos civis da vítima. “A vida de George Floyd não começou em 25 de março de 2020. Procuramos mostrar que George era um pai e filho amado, alguém que trabalhava, que lutava contra a dor e o vício e que era alguém que as pessoas queriam ter por perto”, pontuou.
Na sequência, Han Moraal agradeceu o Ministério Público do Estado do Ceará e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) pela organização do evento e destacou que, com as plenárias desta sexta-feira, ficou claro que o grande desafio dos promotores de Justiça é manter o Sistema Judicial atualizado contra o crime organizado. “Vários palestrantes destacaram a importância da independência das promotorias para que possam realizar seu trabalho sem pressões externas. Não podemos perder tempo. Precisamos consolidar uma cooperação internacional e a IAP está conversando para estabelecer uma rede promotores que trabalhem com crimes organizados”, ressaltou.
O presidente da Conamp, Manoel Murrieta, reafirmou a felicidade pela realização do evento que, segundo ele, para além das importantes discussões, também serviu para aproximar ainda mais a IAP dos membros dos MPs brasileiros. “O trabalho desenvolvido pela IAP tem diversas conotações, mas a mais importante é a nobreza e o desafio de construir um Ministério Público em escala mundial que lute pela dignidade humana e pela garantia dos direitos fundamentais”, frisou.
O procurador-geral de Justiça do Ceará, Manuel Pinheiro, agradeceu a presença de integrantes da Conamp, da IAP e de membros de MPs de 17 países no evento. Ele reafirmou ainda a importância das discussões que ocorreram ao longo da conferência, destacou que o mundo hoje vive um período difícil com o aumento de grupos supremacistas, mas que o Ministério Público deve continuar firme cumprindo sua missão institucional de ser o guardião da liberdade. “A nossa civilização está asfixiada pelo ódio, mas, pelo caminho da lei, nós vamos voltar a respirar a paz e o amor”, finalizou.
Homenagens
No encerramento dos trabalhos, a Conselheira Geral da IAP, Shenaz Muzaffer, convidou os presentes a se associarem à IAP e a participarem da 28º Conferência e Reunião Geral Anual da Associação, que acontecerá no mês de setembro, em Londres, na Inglaterra. Em seguida, Ricardo Toranzos, presidente da Associação dos Membros do Ministério Público Federal da Argentina, entregou placas de homenagem ao procurador-geral da Justiça do Ceará, Manuel Pinheiro, ao promotor de Justiça do MPCE, Eneas Romero, e ao presidente da Conamp, Manoel Murrieta, em agradecimento pela organização do evento.