O Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), através do coordenador do Núcleo de Desporto e Defesa do Torcedor (NUDTOR), promotor de Justiça Francisco Xavier Barbosa Filho, realizou, na manhã desta terça-feira (05), uma audiência para debater a liberação da venda e consumo de bebidas alcoólicas no interior dos estádios de futebol e as suas consequências. O debate ouviu a opinião das diversas autoridades sobre o assunto, promovendo uma reflexão a respeito das consequências da liberação, seja do ponto de vista legal como também social e de saúde pública, no auditório da Procuradoria Geral de Justiça (PGJ).
O MPCE defende o cumprimento do Estatuto de Defesa do Torcedor (Lei federal nº 10.671/2003) que proíbe o torcedor de ingressar nos estádios portando bebidas ou substâncias suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência, sendo portanto uma imposição da lei. Segundo o promotor de Justiça, a iniciativa é inadequada e inconstitucional, por já existir norma contrária à venda e ao consumo de bebida alcoólica dentro e no entorno dos estádios.
O representante do MPCE lembrou, ainda, que existe uma lei municipal (nº 9.477 /2009) que proíbe, em dias de jogos, o consumo e a comercialização de bebida alcoólica num raio de cem metros dos estádios. “Existe uma Ação Direta de Inconstitucionalidade em tramitação no Supremo Tribunal Federal e os advogados da União já reconhecem a inconstitucionalidade da legislação que autorização de bebidas”, recordou. Ao final da reunião, Francisco Xavier disse que levará ao conhecimento do governador do Estado do Ceará, Camilo Santana, as conclusões do debate, a fim de que o Projeto de Lei não seja sancionado.
O promotor de Justiça adiantou que outros segmentos da sociedade civil devem participar da reflexão sobre os aspectos sociais que ocorrerem a partir da possível liberação de bebidas alcoólicas, por ultrapassarem os limites das praças desportivas, favorecendo aos delitos de trânsito e à violência doméstica. Ele apresentou uma nota escrita e firmada pela professora Maria da Penha, posicionando-se contrária ao referido Projeto de Lei.
Xavier levantou a reflexão inicial ao exibir um vídeo do sociólogo e pesquisador carioca, Maurício Murad. De acordo com o estudioso, ao ingerir bebida alcoólica, a pessoa reduz sua censura, sua autocrítica, aumentando a desinibição de atitudes. Isso faz com que ela se sinta à vontade para ultrapassar barreiras de convivência social, potencializando o confronto não só em relação ao futebol, mas no trânsito e nas relações pessoais, ensejando na violência doméstica. Ele citou pesquisas sociais realizadas pelas polícias Militar e Civil, ressaltando percentuais de decréscimo da violência em praças desportivas nos Estados brasileiros que proibiram a venda e consumo de bebidas, tais como: Pernambuco (63%); São Paulo (57%) e Minas Gerais (45%).
Contrário ao Projeto de Lei (PL), o deputado Capitão Wagner declarou que o Estado do Ceará passava por uma grande crise de violência e a aprovação da referida matéria pelo Poder Legislativo poderia agravá-la ainda mais de forma desnecessária, indo na contramão da paz social almejada pela sociedade. Ele considerou que os argumentos que embasam o projeto não são consistentes para lhe convencer. Além disso, afirmou que os torcedores costumam beber do lado de fora dos estádios, embora a legislação não permita, até a iminência do início das partidas, gerando insegurança.
O autor do projeto que pretende a liberação da venda e consumo de bebida alcoólica no interior dos estádios de futebol no Ceará, deputado estadual Gony Arruda (PSD), defendeu que – à época da Copa do Mundo de 2014 – a Federação Internacional de Futebol (FIFA) foi atendida quanto à venda de cerveja no interior dos estádios. “Não houve nenhum tipo de incidente. Não é razoável que tenhamos permitido bebida para estrangeiros e não para os nossos torcedores cearenses”, reclamou. Arruda disse ter ouvido vários amigos se queixando que haviam deixado de frequentar os estádios por não poderem beber.
Arruda rebateu o comentário do pesquisador Maurício Murad sobre a possibilidade de influência, ostensiva ou velada, de cervejarias com o objetivo de interferir diretamente nas decisões do poder público, em especial do poder legislativo, em favor de seus lucros com a venda de bebidas nos estádios. “Eu nunca recebi, sequer, um telefonema de empresários interessados na possível liberação de bebidas. Nem eu, nem qualquer colega parlamentar. Mas parece muito injusto e preconceito com o futebol, uma vez que temos eventos como Ultimate Fight Combat, voleibol, shows e vaquejadas onde há venda e consumo de bebidas alcoólicas”, disparou.
Dentre os convidados, compuseram a mesa diretora dos trabalhos além do promotor de Justiça Francisco Xavier, o autor do PL, Gony Arruda; o deputado estadual Capitão Wagner; a secretária especial de Políticas sobre Drogas do Estado do Ceará, Aline Bezerra; o secretário de Esporte do Estado do Ceará, Euler Barbosa; o professor da UFC, Fábio Gomes; o advogado e representante do Movimento Brasil sem Drogas, Roberto Lacerda; o tenente-coronel do Batalhão de Eventos, Farias Júnior; e o gerente de fiscalização da AMC, Disraeli Brasil. Também compareceram vereadores, deputados estaduais e representantes dos times Fortaleza, Ceará e Ferroviário.
Confira aqui cartilha “Bebidas alcoólicas nos estádios. Problema em dose dupla: violência e inconstitucionalidade”.