A Escola Superior do Ministério Público do Estado do Ceará (ESMP), com o apoio da Procuradoria Geral de Justiça (PGJ), realizou, na manhã desta sexta-feira (19), o seminário “Os 30 anos da Constituição: nos bastidores da Constituinte”. Participaram da mesa de abertura o procurador-geral de Justiça, Plácido Rios; a procuradora de Justiça e vice-corregedora, Maria José Marinho; a procuradora de Justiça e vice-ouvidora, Loraine Molina; a promotora de Justiça e diretora-geral da ESMP, Flávia Unneberg; o promotor de Justiça e editor da Revista Acadêmica da ESMP, Eneas Vasconcelos; e o promotor de Justiça e presidente da Associação Cearense do MPCE, Lucas Azevedo. O evento foi prestigiado por membros, servidores e colaboradores do MPCE, magistrados, defensores públicos, advogados, comunidade acadêmica e sociedade.
O procurador-geral de Justiça, Plácido Rios, saudou e agradeceu os representantes da ESMP pelo empenho em celebrar os 30 anos da Constituição Federal de 1988. Rios justificou a ausência do convidado de honra, o professor honoris causa da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, professor emérito da Universidade Federal do Ceará, Paulo Bonavides, com a leitura da mensagem do jurista, impossibilitado de comparecer ao seminário por razões de saúde.
Ao traçar um paralelo sobre os pontos positivos e negativos da Constituição Federal, ponderando e realinhando o período em que ela foi elaborada e o momento atual do Brasil, Plácido Rios observou que a Carta Cidadã rege um dos países mais desiguais do mundo. Em razão do alto índice de desigualdades sociais e de corrupção, o Brasil ostenta uma das maiores populações carcerárias do mundo, atrás somente da China e dos Estados Unidos. “A classe política está na berlinda, sinalizando que precisamos de uma reforma política urgente”, entende.
Sobre os aspectos constitucionais positivos, Rios mencionou a clara estabilidade constitucional, bem como a estabilidade entre as instituições brasileiras. “Em uma década de democracia, vencemos uma ditadura e consolidamos o estado democrático de direito, contribuiu para a diminuição das desigualdades sociais pelos programas sociais”, reconheceu, ao defender o avanço no reconhecimento dos direitos fundamentais, no combate ao nepotismo, na efetividade da Lei da Ficha Limpa, e da liberdade de expressão. “Em 30 anos, há muito mais a celebrarmos do que a nos envergonhar. Temos que continuar o bom combate efetivo à corrupção e nos orgulhar de termos uma das Constituições mais democráticas do mundo com muito júbilo, amor e esperança”, sustentou.
A diretora da ESMP, Flávia Unneberg, afirmou que aquela era uma ocasião muito especial por haver motivos muito maiores em torno da lei das leis. “Como operadores do direito, precisamos celebrar esta data tão importante. A partir da Constituição de 1988, tivemos uma ordem constitucional renovada com uma séride de direitos e garantias que mudaram a cara do Brasil. O Ministério Público só é a instituição que é, hoje, graças à Constituição Federal Cidadã”, lembrou, ao acrescentar que, por isso, o MPCE não poderia deixar de se manifestar.
Ela assegurou que quando fala com promotores de Justiça de outros países, todo se espantam com o espectro de atribuições do MP brasileiro, em várias áreas de conhecimento, numa jornada de crescimento contínuo refletindo sobre os rumos do país e da Constituição Federal, rumo à efetividade dos direitos fundamentais. “Esperamos que a nossa revista da ESMP seja um instrumento de fomento ao debate acadêmico e no campo da práxis jurídica”, desejou.
O promotor de Justiça e editor da Revista Acadêmica da ESMP, Eneas Vasconcelos, declarou que não podemos deixar de refletir pela luta em defesa do estado democrático de direito e que se manteve ao longo destes 30 anos. “Até então, tivemos textos constitucionais maculados pela desigualdade e exclusão. A Constituição de 1946 não durou 20 anos, pois foi ferida de morte pelos Atos Constitucionais. Seja quem for eleito nestas eleições presidenciais que se avizinham, a Constituição Federal tem que ser mantida, porque ela é a nossa arma. O STF tem que guardá-la e proteger as cláusulas pétreas”, pontuou.
Ele asseverou que o Ministério Público precisa atuar mais na consolidação dos direitos humanos, que não são direitos de bandidos, mas da proteção a crianças, idosos, deficientes e mulheres, diminuindo a criminalidade e a impunidade. “Neste aspecto, a revista acadêmica da ESMP tem o espírito do diálogo para além dos muros da nossa instituição”, revelou Eneas Vasconcelos.
A mesa diretora dos trabalhos foi presidida pelo promotor de Justiça Marcus Amorim de Oliveira. Nesta oportunidade, o professor da Universidade Federal do Ceará, doutor pela USP e procurador-geral do Estado do Ceará, Juvêncio Vasconcelos Viana, recordou ensinamentos de teoria geral do processo para demonstrar a relação íntima e simbiótica entre processo e a Constituição Federal. Para ele, o bom serviço jurisdicional é atrapalhado pelos problemas sociais e culturais brasileiros, uma vez que observou a convivência do regime jurisdicional com os meios alternativos de resolução de conflitos.
Em seguida, o professor da UNIFESP, doutor e pós-doutor pela USP, líder da Pesquisa FAPESP “A Constituinte recuperada – vozes da transição, memória da redemocratização, 1983-88”, em consórcio com a USP-Unicamp-Unifesp-UERJ-UFSCar-UNESP, Antônio Sérgio Carvalho Rocha, apresentou o painel sobre “A Constituinte no Supremo e o Supremo na Constituinte”. Ele narrou os pormenores da discussão jurídico-política nacional, a partir de 1979, entre haver uma reforma ou uma Assembleia Geral Constituinte. Rocha destacou o ideário reformista social democrata, a participação dos movimentos populares sociais, com o apoio das comunidades eclesiais de base, o plano de aliança democrática e a doutrina da Constituição Congressual, defendida pelo constituinte Ulysses Guimarães. Tudo isso resultou na formatação da Constituição compromissária, garantista, nacional desenvolvimentista, espelhando o ideário das forças institucionais.
A palestra mais aguardada foi apresentada pelo doutor em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, professor titular de Direito Constitucional da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e constituinte da Constituição de 1988, Paulo Lopo Saraiva. Ele discorreu a respeito dos “Antecedentes históricos da Constituição de 1988”, desde os bastidores do Congresso de Direito Constitucional de São Bernardo do Campo, presidido pelo jurista Paulo Benevides em 1980. “O MP é o maior guardião da Constituição Federal, porque é a centelha de luz que norteia os caminhos da ética. É burrice querer-se destruir o MP. Saúdo os jovens que deram suas vidas e foram tragados pela ditadura. O mal de raiz é o presidencialismo à brasileira, por isso que sou um parlamentarista”, afirmou.
Conforme disse, ainda há dificuldades e omissões na Constituição que precisam ser superadas em prol de sua eficácia, citando como exemplo a falta de estabilidade no emprego ainda por ser concretizada no artigo 7º da CF/1988. “Sem a Constituição Federal, as crianças, os idosos, os trabalhadores e o Ministério Público não têm amparo”, disse. Paulo Lopo também fez parte da elaboração da Constituição e deixou sua contribuição em dois artigos: o artigo 14, o qual observa que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular. “Não esperem reforma política, porque este Congresso não a fará. Há 60 anos que espero por essa iniciativa. A mudança tem que ser pela participação popular”, desabafou.
O outro dispositivo de sua autoria foi o artigo 132, considerando que os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas. “Essa foi uma proposta corporativa, porque tinha que aproveitar a oportunidade, já que não participaria de uma nova constituinte”, confessou. Paulo Lopo avaliou que não havia lugar mais propício do que o Ministério Público para este debate. “O promotor de Justiça é a porta que se abre à população mais necessitada”, enfatizou. O encerramento do encontro foi marcado pelo lançamento da Revista Acadêmica da Escola Superior do Ministério Público.