Justiça atende ação do MPCE e suspende concurso público realizado em Baixio por indícios de fraude


A Vara Única da Comarca de Ipaumirim acatou Ação Civil Pública (ACP) proposta pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) e determinou a imediata suspensão do concurso público realizado no Município de Baixio, regido pelo Edital nº 01/2019, bem com o afastamento liminar de todos os servidores nomeados em razão do concurso, com suspensão das remunerações, sob pena de multa diária no valor de R$ 3 mil, em caso de descumprimento ou atraso. O MPCE ingressou com a ação no último dia 8 de julho, após deflagrada a “Operação Amigos do Rei”, que cumpriu mandados de prisão e de busca e apreensão expedidos a pedido do MPCE em combate à fraude no resultado do certame.

Realizado em 2019 para prover 32 vagas, o concurso foi organizado pela empresa CONSEP – Consultoria e Estudos Pedagógicos LTDA. O resultado definitivo foi publicado no dia 4 de julho de 2019 e, até o momento, foram convocados e empossados 41 aprovados. Segundo o promotor de Justiça João Eder Lins dos Santos, na respondência da comarca de Baixio, há provas concretas que 70% do resultado do certame foi alterado e não é possível verificar os outros 30% porque as provas foram destruídas.

Após quase dois anos de investigação, as provas colhidas (todas autorizadas pela Justiça) comprovam que o referido concurso foi integralmente fraudado, tendo em vista que agentes políticos, em parceria com a banca organizadora CONSEP, alteraram as notas dos candidatos para que eles fossem aprovados. Um indício é o fato de que as notas alcançadas pelos primeiros colocados estão bem acima da média geral e a maioria desses aprovados já fora antes contratado pela Prefeitura de Baixio ou tinha ligação familiar com agentes políticos. O MPCE também ressalta a falta de transparência da banca, a qual apenas divulgou a nota dos candidatos aprovados, dificultando o acesso às folhas de resposta dos demais candidatos, afirmando que a Prefeitura analisaria o pleito e atenderia se julgasse necessário.

Entenda a investigação

No âmbito da Operação “Amigos do Rei”, o Ministério Público ofereceu denúncia contra Raimundo Amaurílio Araújo Oliveira, conhecido como “Zico”, que é ex-chefe de Gabinete e atual presidente da Câmara Municipal de Baixio; Francisco Bernardo dos Santos, ex-vereador da Câmara Municipal de Baixio; e Dirceu Iglesias Cabral Filho, Tiago Lima Iglesias Cabral e Diego Lima Iglesias Cabral, todos ligados à CONSEP – Consultoria e Estudos Pedagógicos. A denúncia foi apresentada com base no inquérito civil e na investigação produzida pela Polícia Civil, apontando fortes indícios de fraude no resultado do concurso público, com comprovada participação dos denunciados.

O esquema criminoso teve origem antes mesmo do lançamento do Edital 01/2019. A quebra do sigilo de dados previamente autorizada judicialmente no aparelho celular de Dirceu Iglesias, sócio-administrador da empresa CONSEP, revelou que ainda em novembro de 2018, Francisco Bernardo entrou em contato com o empresário, comparecendo à sede da CONSEP, em Teresina, no dia 18 de dezembro de 2018, evidenciando direcionamento da contratação da empresa que realizaria o certame, o que de fato ocorreu.

“A quebra de sigilo de dados ainda revelou que os integrantes da empresa CONSEP constituem uma associação criminosa destinada a fraudar o caráter competitivo dos concursos, fazendo acertos com outras bancas. Quanto ao concurso em apreço, em um dos diálogos extraídos, Tiago Iglesias chega a reclamar com o pai, Dirceu Iglesias, acerca do ponto de corte de 60% do concurso realizado em Baixio, pedindo para que o mesmo não colocasse mais esse ponto de corte em todas as matérias pois ficaria difícil arrumar o esquema”, narra o membro do MPCE. Os diálogos mostram ainda fraudes no ajuste da nota final de uma candidata que, de acordo com o gabarito verdadeiro colacionado ao inquérito civil, ficou muito distante de alcançar a aprovação, contudo trabalha normalmente exercendo o cargo efetivo.

A investigação do MPCE evidenciou que quem realmente geria todos os assuntos relativos ao concurso era Francisco Bernardo. “A extração de dados revelou que Bernardo foi quem definiu a data da realização do concurso, os aditivos ao edital, as inscrições e isenção de pagamento, os recursos, a arrecadação, as publicações, além de ter acesso por meio de login e senha ao e-mail criado para utilização da comissão do concurso”, detalha o promotor de Justiça. A apuração do Ministério Público constatou, ainda, que durante a realização do concurso, o denunciado manteve contato telefônico com dez candidatos nomeados e beneficiou dois familiares com a nomeação fraudulenta, incluindo a esposa dele, Eliane Oliveira Bernardo dos Santos, que é vereadora de Baixio. “Em um dos diálogos, Bernardo escolhe até mesmo a colocação em que a esposa deveria ser aprovada para não chamar atenção”, complementa João Eder Lins dos Santos.

O envolvimento de Raimundo Amaurílio com a fraude restou comprovado para o Ministério Público, considerando que em uma das conversas entre Bernardo e Dirceu acerca das tratativas do concurso, Bernardo diz que está com Zico, chefe de Gabinete. Além disso, no mesmo dia da realização do concurso, ocorreu um encontro às escondidas com Dirceu Iglesias e Francisco Bernardo para uma suposta entrega de “ofício”, em local ermo, após a realização das provas, por volta das 13h, no município cearense de Barro, conforme relatórios das Estações Rádio Base (ERB) dos aparelhos celulares dos denunciados. “Vale salientar que os candidatos que se julgavam prejudicados com o resultado procuravam ‘Zico’ para resolver assuntos relacionados à fraude e ele, mesmo na condição de chefe de Gabinete, em vez de levar os fatos ao conhecimento das autoridades, tentou encobrir a burla ao concurso, garantindo aos prejudicados, mesmo fora das vagas, a garantia da nomeação e ainda a inserção de gratificação para compensar o candidato pelo ‘transtorno’”, destaca o membro do MPCE.

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