Com a finalidade de divulgar e estimular mecanismos específicos de combate à violência de gênero que mais preocupa a sociedade, a diretora-geral Escola Superior do Ministério Público (ESMP), Flávia Unneberg, resolveu celebrar o Dia Internacional da Mulher, na manhã desta sexta-feira (8 de março), com uma reflexão de luta. O projeto Encontros Jurídicos marcou a significativa data com a palestra “Feminicídio: investigação, processamento e atuação do Ministério Público no Júri”, ministrada pelo secretário-executivo das Promotorias de Justiça do Júri, Ythalo Frota Loureiro, no auditório da ESMP.
Aberto a toda sociedade, o encontro também voltou-se ao correto conceito de feminicídio, cunhado pela precursora do tema, a psicóloga e cientista social sul-africana Diana Russell, para evitar equívocos na interpretação da lei. Para ela, feminicídio não é um crime passional, mas a violência estrutural e institucionalizada, relacionada à superioridade masculina e de inferioridade feminina, reforçada pelo patriarcado, doutrina experimentada há quatro mil anos antes de Cristo. Neste sentido, em 1992, ela definiu o termo “femicide” como o assassinato misógino de mulheres por homens. Porém, no ano de 2001, o conceito foi redefinido para o assassinato de uma mulher porque ela é uma mulher. Ou seja, em razão da condição de sexo feminino.
Ao apresentar o convidado, bem como a importância do assunto abordado, Flávia Unneberg declarou que o momento não poderia ser celebrado apenas com flores, mas com um levante pelo enfrentamento diário à violência por que passa a mulher, sobretudo, no ambiente familiar. “Precisamos mudar essa cultura de agressão pelo diálogo, pela educação e com o cuidado para não reproduzirmos o machismo que nos é colocado por várias gerações. Todos somos educadores dentro e fora de casa, porque o feminicídio é a última escala da violência crescente contra a mulher”, lamentou. Aos participantes foi distribuído um chocolate, simbolizando que o movimento feminino possui doçura, mas que também contém energia.
Ythalo Frota Loureiro iniciou sua fala defendendo que a bandeira da defesa da mulher é uma proposta cidadã e republicana, acima de qualquer programa partidário. Ele citou uma postagem publicada pela promotora de Justiça e futura integrante da Academia Cearense de Letras, Grecianny Cordeiro, com a seguinte consideração: “Metade da população mundial é formada por mulheres, a outra metade vive em função delas”. Conforme Loureiro, o feminicídio é uma questão planetária e a principal preocupação das políticas criminais.
Previsto como crime próprio no Brasil, a partir da Lei 13.104, de 9 de março de 2015 – o feminicídio vive, infelizmente, uma nova etapa de recrudescimento. Segundo Ythalo Loureiro, promulgada há quatro anos, a referida lei ainda suscita debates que podem levar à ineficácia da legislação. “Pretendemos combater alguns erros clássicos, como acreditar que femicídio e feminicídio são expressões diferentes, quando, na verdade expressam o mesmo fenômeno. Além disso, esclareceremos que feminicídio não se confunde com motivação, pois o crime possui natureza objetiva, conforme tem decidido reiteradamente os tribunais”, explicou o promotor de Justiça.
Segundo estudo da Organização das Nações Unidas (ONU), a cada seis horas, uma mulher é vítima de homicídio. Estima-se que 40% dos crimes de feminicídio, praticados em 24 países da América Latina e Caribe, aconteçam no Brasil. Em face do tamanho do problema, “é essencial que os governos empreguem mais recursos no combate ao feminicídio e é preciso difundir o conteúdo teórico e prático que conecte promotores e procuradores de Justiça à rede de atendimento à mulher vítima de violência. Sendo assim, a ESMP acerta em colocar em evidência o assunto para que haja a difusão dos protocolos de investigação, processamento e julgamento dos crimes de feminicídio”, ressalta Loureiro.
Em sua fala, Ythalo Loureiro destacou a forma de atuação do Ministério Público em casos de feminicídio, uma introdução à teoria geral da argumentação aplicada ao julgamento de feminicídio perante o Tribunal do Júri. “Tudo isso para que prevaleçam a verdade e a justiça. A participação de membros, servidores, colaboradores e de toda sociedade é muito importante, pois a construção da paz social somente é sólida quando realizada a muitas mãos”, salientou, ao observar o acolhimento da vítima por uma Rede de Atendimento e Apoio a Mulher, incluindo os órgãos da Casa da Mulher Brasileira (CMB), o Instituto Maria da Penha (IMP), o Conselho Cearense dos Direitos da Mulher (CCDM), o Observatório de Violência Contra a Mulher da Universidade Estadual do Ceará (OBSERVEM/UECE), o coletivo Conviver Madre Regina, entre outras instituições que trabalham na divulgação da Lei Maria da Penha.