Carta de Bogotá sobre Promoção da Saúde


Carta de Bogotá sobre Promoção da Saúde

Declaração da Conferência Internacional de Promoção da Saúde 9 a 12 de novembro de 1992

A Conferência Internacional de Promoção da Saúde foi realizada sob o patrocínio do Ministério de Saúde da Colômbia e a Organização Pan-americana de Saúde (OPS), em Santafé de Bogotá, de 9 a 12 de novembro de 1992. Ela contou com a assistência dos Ministros da Saúde da Bolívia, Colômbia, Equador e Nicarágua; os vice-ministros de Saúde de Cuba, Guatemala e Panamá, e o Prefeito da Paz. Por parte da OPS compareceram o Diretor da Secretaria Sanitária Pan-americana, os coordenadores dos programas regionais de Promoção da Saúde, Saúde Ambiental, Serviços de Saúde e Saúde Materno-infantil, assim como consultores provenientes da Sede Central e as representações dos países. Também participaram, entre outros, funcionários do setor da saúde, especialistas, pessoas vinculadas a processos de promoção social, representantes de serviços de saúde e saneamento ambiental, de organizações não governamentais e associações comunitárias, docentes, estudantes e profissionais da comunicação social.

Em suma, 550 representantes de 21 países (Argentina, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Espanha, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela) se reuniram para definir o significado da promoção da saúde na América Latina e debater princípios, estratégias e compromissos relacionados com o sucesso da saúde da população da Região.

As conclusões da Conferência respondem os problemas específicos das nações latino-americanas, e incorporam significativamente resultados de reuniões internacionais anteriores e experiências na promoção da saúde de outras nações do mundo.

A seguir a declaração elaborada e adotada pela Conferência.

 

PROMOÇÃO DA SAÚDE NA AMÉRICA LATINA

A promoção da saúde na América Latina busca a criação de condições que garantam o

bem-estar geral como propósito fundamental do desenvolvimento, assumindo a relação mutua entre saúde e desenvolvimento. A Região, desgarrada pela iniquidade que se agrava pela prolongada crise econômica e pelos programas de políticas de ajuste macroeconômico, enfrenta a deterioração das condições de vida da maioria da população, junto com um aumento de riscos para a saúde e uma redução de recursos para enfrentá-los. Por conseguinte, o desafio da promoção da saúde na América Latina consiste em transformar essas relações, conciliando os interesses econômicos e os propósitos sociais de bem-estar para todos, assim como trabalhar pela solidariedade e equidade social, condições indispensáveis para a saúde e o desenvolvimento.

Setores importantes da população não conseguiram satisfazer as necessidades básicas para garantir condições dignas de vida. Estas complexas e agoniantes desigualdades tanto de tipo econômico, ambiental, social, político e cultural, como relativas à cobertura, acesso e qualidade nos serviços de saúde, tendem a acentuar-se em razão da redução histórica do gasto social e das políticas de ajuste. Portanto, é difícil enfrentar e resolver estes problemas com perspectivas a alcançar a saúde para todos.

A situação de iniquidade da saúde nos países da América Latina reitera a necessidade de se optar por novas alternativas na ação da saúde pública, orientadas a combater o sofrimento causado pelas enfermidades do atraso e pobreza, ao que se sobrepõe o causado pelas enfermidades da urbanização e industrialização. A Região apresenta uma situação epidemiológica, caracterizada pela persistência ou ressurgimento de endemias como a malária, cólera, tuberculose e desnutrição; pelo aumento de problemas como o câncer e doenças cardiovasculares e pelo surgimento de novas enfermidades como a Aids ou as resultantes da deterioração ambiental. Dentro deste panorama, a promoção da saúde destaca a importância da participação ativa das pessoas nas mudanças das condições sanitárias e na maneira de viver, condizentes com a criação de uma cultura de saúde. Dessa forma, a entrega de informação e a promoção do conhecimento constituem valiosos instrumentos para a participação e as mudanças dos estilos de vida nas comunidades.

Também na ordem política existem barreiras que limitam o exercício da democracia e a participação da cidadania na tomada de decisões. Nestas circunstâncias, a violência – em todas as suas formas – contribui muito na deterioração dos serviços, é causa de numerosos problemas psicossociais e constitui o fundamento onde se inscrevem numerosos problemas da saúde pública.

O que se espera da equidade consiste em eliminar diferenças desnecessárias, evitáveis e injustas que restringem as oportunidades para alcançar o direito ao bem-estar. Cada sociedade define seu bem-estar como uma opção particular de viver com dignidade. O papel que corresponde à promoção da saúde para alcançar este propósito consiste não só em identificar os fatores que favorecem a iniquidade e propor ações que diminuam seus efeitos, mas também em atuar além, como um agente de mudança que induza transformações radicais nas atitudes e condutas da população e seus dirigentes, origem destas calamidades.

O desenvolvimento integral e recíproco dos seres humanos e sociedades é a essência da estratégia de promoção da saúde no continente. Em conseqüência, esta assume as tradições culturais e os processos sociais que forjaram nossas nacionalidades possibilitando, além de tudo, enfrentar criativa e solidariamente a adversidade, os obstáculos estruturais e as crises recorrentes. Reconhecer, recuperar, estimular e difundir estas experiências é indispensável para a transformação de nossas sociedades e o impulso à cultura e saúde.

 

ESTRATÉGIAS

No âmbito internacional, o movimento de promoção da saúde gerou propostas teóricas e práticas, dentre as quais se destaca o planejamento da Carta de Ottawa, pela sua claridade em definir os elementos constitutivos da promoção da saúde e os mecanismos para colocá-la em prática. A incorporação destas propostas se torna indispensável para a estratégia de promoção da saúde na América Latina.

Impulsionar a cultura da saúde modificando valores, crenças, atitudes e relações que permitam chegar tanto à produção quanto ao usufruto de bens e oportunidades para facilitar opções saudáveis. Com eles será possível a criação de ambientes sadios e o prolongamento de uma vida plena, com o máximo desenvolvimento das capacidades pessoais e sociais.

Transformar o setor saúde colocando em relevo a estratégia de promoção da saúde, o que significa garantir o acesso universal aos serviços de atenção, modificar os fatores condicionantes que produzem morbimortalidade e levar a processos que conduzam nossos povos a criar ideais de saúde, mediante a completa tomada de consciência da importância da saúde e a determinação de realizar ações transcendentais de impacto neste campo.

Convocar, animar e mobilizar um grande compromisso social para assumir a vontade política de fazer da saúde uma prioridade. Este é um processo que tende a modificar as relações sociais de modo que sejam inaceitáveis a marginalidade, a iniquidade, a degradação ambiental e o mal estar que estas produzem.

 

COMPROMISSOS

O direito e o respeito à vida e à paz são os valores éticos fundamentais da cultura e da saúde. Torna-se indispensável que a promoção da saúde na América Latina assuma estes valores, cultive-os e pratique-os habitualmente.

Impulsionar o conceito de saúde condicionada por fatores políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais, de conduta e biológicos, e a promoção da saúde como estratégia para modificar estes fatores condicionantes.

Convocar as forças sociais para aplicar a estratégia de promoção da saúde, colocando os propósitos sociais à frente dos interesses econômicos, a fim de criar e manter ambientes familiares, físicos, naturais, de trabalho, sociais, econômicos e políticos que tenham a intenção de promover a vida, não degradá-la.

Incentivar políticas públicas que garantam a equidade e favoreçam a criação de ambientes e opções saudáveis.

Afinar mecanismos de concentração e negociação entre os setores sociais e institucionais para levar a cabo atividades de promoção da saúde, visando avançar até alcançar o bem estar, propiciando a transferência de recursos de investimento social às organizações da sociedade civil.

Consolidar uma ação que se comprometa a reduzir gastos improdutivos, tais como os pressupostos militares, desvio de fundos públicos gerando ganâncias privadas, profusão de burocracias excessivamente centralizadas e outras fontes de ineficiência e desperdício.

Fortalecer a capacidade da população nas tomadas de decisões que afetem sua vida e para optar por estilos de vida saudáveis.

Eliminar os efeitos diferenciais da iniquidade sobre a mulher. A participação da mulher, genitora de vida e bem estar, constitui um elo indispensável na promoção da saúde na América Latina.

Estimular o diálogo entre diferentes culturas, de modo que o processo de desenvolvimento da saúde se incorpore ao conjunto do patrimônio cultural da Região.

Fortalecer a capacidade convocatória do setor de saúde para mobilizar recursos para a produção social da saúde, estabelecendo responsabilidades de ação nos diferentes setores sociais e seus efeitos sobre a saúde.