Segundo dia de seminário sobre políticas afirmativas e cotas raciais debate aspectos metodológico-legislativos e jurisprudências


O Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) participou do segundo dia do seminário “Políticas afirmativas e cotas raciais: o papel das bancas de heteroidentificação”, ocorrido nessa sexta-feira (12/08), na sede da Defensoria Pública Geral do Ceará (DPCE), em Fortaleza. O evento é fruto de uma parceria entre o Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (CEAF) e a Escola Superior do Ministério Público (ESMP), ambos do MPCE; a Escola Superior da Defensoria Pública (ESDP); e a Escola Superior da Magistratura do Estado (Esmec), do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE).  

O MPCE foi representado pelo promotor de Justiça e coordenador auxiliar do Centro de Apoio Operacional da Cidadania (Caocidadania), Hugo Porto. Ao longo do dia, as palestras foram “Heteroidentificação e cotas raciais: dúvidas, metodologias e procedimentos”, “O papel do sistema de justiça na efetivação da Lei de Cotas Raciais” e “Casos concretos: o que diz a jurisprudência sobre as cotas em concursos”.  

Membro do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Afrobrasilidade, Gênero e Família (Nuafro) da Universidade Estadual do Ceará (Uece), a assistente social Daiane Daine debateu o tema “Heteroidentificação e Cotas Raciais: Dúvidas, Metodologias e Procedimentos”. Ela destacou que políticas afirmativas combatem o racismo porque garantem o ingresso de pretos(as) e pardos(as) em espaços historicamente ocupados somente por indivíduos brancos. E ressaltou que políticas afirmativas e cotas raciais são fruto de reivindicações dos movimentos negros, e que as bancas de heteroidentificação são mecanismos de controle dessa política pública diante das fraudes cometidas por pessoas brancas quando o acesso às vagas dava-se exclusivamente por autodeclaração racial. 

A pesquisadora explicou que as bancas normalmente são compostas por três ou cinco membros, e o parecer sobre os(as) candidatos(as) é emitido por ampla maioria. Ou seja: a comissão não precisa ser unânime quanto ao deferimento ou não. “As bancas não são tribunais raciais e os membros não são cavaleiros da injustiça, como muitos dizem. São um controle social. Toda política pública tem controle social. Não poderia ser diferente com as cotas. Então, as bancas buscam identificar o preto e o pardo fenotipicamente lido como negro. Brancos de origem multirracial que se declaram como pardos não são beneficiários das cotas. Se você é lido socialmente como branco, você não é o público da política afirmativa. O que a banca faz é verificar se você tem o perfil para a vaga”. 

Em seguida, a advogada do Escritório Frei Tito de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular, Lourdes Vieira discutiu “O papel do Sistema de Justiça na efetivação da Lei de Cotas Raciais” expondo diversos marcos legais que impediram o acesso da população negra a políticas públicas. Algumas datam do pós-abolição, ocorrido em 1888. “Nós não éramos vistos como sujeitos de direitos. Não fomos recebidos como classe trabalhadora e vários tipos penais foram criados para criminalizar pessoas negras e a cultura negra”, disse.  

E frisou a necessidade da atuação das bancas de heteroidentificação. “Essas comissões encaram o tempo todo tentativas de fraude. E aqui não se trata de boa-fé ou má-fé. Existe um procedimento que precisa ser fortalecido para que cada vez mais pessoas negras assumam vagas nas universidades e serviço público. Então, o Sistema de Justiça precisa entender a importância dessas bancas, porque também muitos operadores do Direito ainda não acreditam na possibilidade de pessoas negras estarem no Judiciário, no Ministério Público e na Defensoria. Eu, como um corpo negro que está no Sistema de Justiça, posso falar da dificuldade de trabalhar com quem não nos enxerga. Como não tem pessoas negras, esse sistema se torna mais pesado para pessoas como eu, que quase nunca sou vista como advogada”. 

Encerrando o Seminário, o professor da pós-graduação da PUC Paraná, Ilzver de Matos, ministrou a palestra “Casos Concretos: o que diz a jurisprudência sobre as cotas em concursos”. Ele criticou a existência de uma “hermenêutica jurídica da branquitude” que faz magistrados interpretarem legislações a partir da perspectiva da população branca e, assim, a política de cotas raciais, classificada por ele como “fundamental”, acaba fragilizada diante da judicialização de pareceres das bancas de heteroidentificação. São interpretações, portanto, que privilegiam um único grupo social: a população branca. 

Ilzver defendeu que a soberania das comissões de heteroidentificação que, conforme afirmou, deveriam deixar de ser compostas por pessoas brancas e passar a ter como integrantes somente negros e negras, de preferência de pele escura, representantes do Movimento Negro. Experiências do tipo já são vistas em certames de Salvador, na Bahia. “Se a gente levasse a sério essa política, não teríamos metade dos problemas que temos. Mas algumas instituições ainda tratam as bancas de qualquer forma. Muitas convocam as comissões na sexta para atuarem na segunda. Então, a gente tem que fiscalizar os concursos sempre. Porque há muitas estratégias racistas para os 20% de vagas para pessoas negras não serem cumpridas, quando esses 20% devem ser aplicados em todas as etapas do certame e não somente na primeira”, pontuou o doutor em direito. 

No primeiro dia do Seminário, ocorrido no dia 5 de agosto, foram debatidos os seguintes temas: “Políticas afirmativas e cotas raciais: o papel das bancas de heteroidentificação”, “Mestiçagem e população negra no Ceará” e “Políticas Públicas de Promoção de Igualdade Racial no Enfrentamento do Racismo Estrutural”. Todas as palestras dos dois dias de seminário foram transmitidas pelo canal da Defensoria no YouTube.  

*Com foto e informações da Defensoria Pública do Ceará. 

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