O Ministério Público do Estado do Ceará, por meio do Núcleo de Investigação Criminal (NUINC), com o apoio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, deflagrou, nesta terça-feira (15/07), a 2ª fase da operação “Echo Chamber”. Foi cumprido um mandado de busca e apreensão pessoal e domiciliar na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, contra um dos suspeitos de envolvimento na campanha de ódio promovida nas redes sociais contra a farmacêutica Maria da Penha. A 9ª Vara Criminal de Fortaleza determinou também a suspensão de todos os episódios do documentário “A investigação Paralela: o caso de Maria da Penha”, produzido pela empresa Brasil Paralelo, pelo prazo de 90 dias.
Na ação, foram apreendidos aparelhos eletrônicos e documentos, que seguirão para análise do MP do Ceará. A medida visa aprofundar as investigações sobre uma campanha sistemática de ódio disseminada nas redes sociais contra Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de tentativa de homicídio e símbolo da luta contra a violência doméstica, que dá nome à Lei nº 11.340/2006. As investigações tiveram início a partir de manifestações recorrentes de desinformação, conteúdo calunioso e ataques misóginos, promovidos por meio de canais digitais, com o objetivo de descredibilizar a história da vítima, questionar decisão judicial transitada em julgado e promover o descrédito da legislação de proteção à mulher.
Conversas extraídas de aparelhos eletrônicos apreendidos no curso das investigações revelaram a existência de estratégias organizadas para invalidar a criação da Lei Maria da Penha, desacreditando a própria vítima e a norma, na tentativa de retirá-la do ordenamento jurídico ou, ao menos, mudar o nome da lei. Além disso, evidenciam-se indícios de que os envolvidos buscaram obter vantagem econômica a partir da exploração dessas narrativas, valendo-se da repercussão midiática e do engajamento em redes sociais para alcançar interesses próprios.
Documentário
Dentre os fatos apurados, destaca-se a produção e divulgação do documentário com acusações infundadas de fraude processual, bem como uso de documento falso para subsidiar os argumentos. O conteúdo, disseminado por empresa privada de comunicação e perfis em redes sociais, busca gerar dúvida sobre a veracidade dos fatos e sobre a legitimidade do julgamento ocorrido, apesar de ampla comprovação judicial e pericial em sentido contrário. Foi identificada ainda a prática de perseguição virtual (cyberstalking), caracterizada por condutas coordenadas com o intuito de denegrir a imagem da Sra. Maria da Penha, além do crime de falsificação de documento público.
Primeira fase da operação
Na primeira fase da operação, deflagrada no dia 14 de dezembro de 2024, foram cumpridos mandados de buscas e apreensões, atendendo a pedido do MP. O Poder Judiciário determinou, ainda, a suspensão do perfil de um suspeito na plataforma Instagram pelo período de 90 dias; a proibição dele se aproximar ou manter contato, pessoalmente ou através de pessoa interposta, com Maria da Penha e suas filhas, bem como de se aproximar das residências delas; como também o impedimento de se ausentar da comarca onde reside, por mais de sete dias, sem autorização judicial, assim como do país.
Entenda o caso
No primeiro semestre de 2024, Maria da Penha passou a sofrer uma série de ataques de membros de comunidades digitais que disseminam o ódio às mulheres. Ao tomar conhecimento das ameaças, o MP do Ceará acionou o Núcleo de Investigação Criminal – NUINC, para iniciar a apuração dos fatos, e o Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência (NUAVV), que encaminhou Maria da Penha ao Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.
Segundo as investigações realizadas pelo Ministério Público, a campanha atinge diretamente a honra de Maria da Penha, atribuindo-lhe conteúdo ofensivo e de natureza caluniosa, consistindo em possíveis delitos de intimidação sistemática virtual (“cyberbullying”), perseguição (“stalking”/”cyberstalking”), ameaça, dentre outros.
Em breve análise às mídias sociais onde as mensagens foram publicadas, identificou-se um perfil, com elevado número de adeptos, que vem produzindo conteúdos de natureza misógina (ódio, desprezo ou preconceito contra mulheres ou meninas), deturpando informações, bem como atacando a farmacêutica Maria da Penha, sua história e a própria Lei 11.340/2006.
De acordo com a apuração do MP, os riscos potenciais não se limitaram às redes sociais. Observou-se o deslocamento do principal investigado à antiga residência de Maria da Penha, no bairro Papicu, em Fortaleza, local em que a tentativa de homicídio contra ela ocorreu em 1983.
“Echo Chamber”
O nome “Echo Chamber” (Câmara de Eco) se refere a um termo usado para descrever um ambiente em que as pessoas são expostas a informações ou ideias que reforçam suas próprias crenças, sem entrarem em contato com opiniões divergentes. No contexto deste caso, o discurso do investigado contribuiu para a propagação de uma distorção dos fatos dentro de um grupo de seguidores, criando um ciclo fechado de informações.
Esse ciclo se caracteriza por um constante reforço das mesmas ideias, sem espaço para questionamentos ou visões alternativas, o que distorce a percepção da realidade e dificulta o confronto com informações contrárias. Assim, ao propagar um discurso unilateral, o investigado alimentou uma câmara de eco, onde os adeptos da ideia apenas confirmavam entre si as crenças já estabelecidas, sem considerar outras perspectivas.