O Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), por meio da Secretaria Executiva do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon), entrou com uma Ação Civil Pública contra a Enel Ceará por dano moral coletivo aos consumidores, em razão da má prestação do serviço de distribuição de energia elétrica. O valor da multa proposta é de R$ 48 milhões. Além da baixa qualidade dos serviços, o aumento abusivo da tarifa este ano aponta para o cometimento de irregularidades no cumprimento das regras do contrato de concessão da empresa com o Estado do Ceará.
O Decon também vai instaurar esta semana um procedimento administrativo para apurar possíveis infrações da Enel ao Código de Defesa do Consumidor, sobretudo relacionadas à prestação do serviço. A empresa será notificada esta semana e terá prazo de 20 dias para apresentar defesa. Caso as ponderações da concessionária não sejam acatadas pelo órgão do MP, será aplicada multa que pode chegar a 3 milhões de UFIRCE, o que equivale a R$ 15 milhões.
Esses são os principais encaminhamentos apontados no relatório elaborado por uma comissão de quatro promotores de Justiça com atuação na área consumerista, criada em maio deste ano após a diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) aprovar o reajuste médio anual de 24,85% da tarifa de luz no Ceará. Além do aumento considerado abusivo, a empresa é líder em reclamações no Estado e na Região Nordeste, se comparada às demais distribuidoras de energia elétrica. O relatório foi apresentado nesta terça-feira (13/12), durante coletiva de imprensa na sede do MPCE, em Fortaleza.
Além do procurador-geral de Justiça, Manuel Pinheiro, também participaram da coletiva os promotores de Justiça Hugo Xerez, secretário-executivo do Decon; Juliana Cronemberger, coordenadora da Unidade Descentralizada do Decon em Sobral; e Silderlandio do Nascimento, coordenador do Centro de Apoio Operacional da Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa (CAODPP). Também estiveram presentes o deputado estadual Fernando Santana, vice-presidente da Assembleia Legislativa e presidente da Comissão da ENEL no parlamento estadual; Flávio Aragão, presidente da Comissão de Defesa dos Serviços Públicos da OAB/CE; Hélio Winston Leitão – presidente da Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará – ARCE; e João Renato Banhos, procurador-geral executivo de Contencioso Geral e Administrativo do Estado.
Entre as outras providências elencadas no documento estão a investigação do possível descumprimento do dever de transparência da Agência Reguladora do Estado do Ceará (ARCE) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) em relação à fiscalização da Enel; o encaminhamento do relatório ao Poder Executivo, Poder Legislativo e ao Ministério Público Federal para que as ponderações da comissão sejam analisadas quando da prorrogação da concessão e seja avaliada a possibilidade da limitação da distribuição de pagamento de dividendos e de juros sobre o capital próprio pela distribuidora por descumprimento dos indicadores de qualidade; a realização de fiscalizações in loco nas agências de atendimento da Enel Ceará pelo próprio Decon; o encaminhamento de representação à ARCE para que realize fiscalização em relação à redução do número de consumidores beneficiados com Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE), após o início da pandemia da Covid-19, conforme constatado no relatório; a expedição de ofício ao Estado do Ceará para que avalie a conveniência de realizar auditoria no Contrato de Compra e Venda de Ações celebrado entre o Estado do Ceará e a Distriluz Energia Elétrica Ltda, celebrado em 14 de abril de 1998, para verificação de cumprimento de todas as obrigações assumidas pela compradora.
O que foi constatado?
A Comissão especial foi criada no dia 02 de maio deste ano, com o objetivo de adotar medidas extrajudiciais e judiciais cabíveis na apuração do descumprimento das obrigações da ENEL, constantes no contrato de concessão, assim como para analisar a qualidade da prestação do serviço da concessionária ao povo cearense.
Além de analisar minunciosamente dados contábeis da empresa que demonstram a situação financeira da companhia em relação às regras de reajuste tarifário previstas no contrato de concessão, o grupo apurou informações em diversas bases de dados sobre reclamações dos serviços, especialmente no Sistema Nacional de Informações e Defesa do Consumidor (SINDEC) e na plataforma “consumidor.gov.br”. Foram analisados, ainda, relatórios e indicadores fornecidos pelas próprias distribuidoras de energia à ANEEL. Estes dados consistem em reclamações comerciais feitas diretamente à concessionária de energia, avaliações do tempo médio para solução dos problemas, indicadores de continuidade na prestação de serviço, índices de satisfação do consumidor, entre outros parâmetros.
Ficou constatado que a justificativa apresentada pela Enel para o reajuste da tarifa em 2022, que seria por perdas orçamentárias em razão da pandemia, não condiz com a realidade. Pelo contrário, o balanço contábil aponta crescimento do patrimônio líquido, do capital social e das reservas de lucro da empresa, mesmo após os impactos gerados pela pandemia.
O relatório apontou que a empresa é superavitária, e vem distribuindo regularmente dividendos aos acionistas. Mesmo durante a crise sanitária, houve aumento significativo do repasse. Se em 2019 foram distribuídos R$ 145.494.000,00, em 2021, o valor foi de R$ 199.501.000,00.
Outro comparativo que merece destaque é com relação ao lucro líquido levantado em 31 de dezembro de 2021, no valor de R$ 488.587.000,00 – segundo ano da pandemia – corresponde a 50,6% do valor de venda da Coelce em 1998. Com o valor atualizado da venda pelo índice IGP-FGV, em apenas um exercício (2021), o lucro líquido corresponde a 28,5% do valor recebido pelo Estado do Ceará.
A comissão também analisou o aumento do valor da tarifa anual comparado ao valor do MWh e verificou que reajuste nunca foi tão elevado quanto em 2022. Para se ter ideia do aumento, em valores nominais, de 2016 para 2021, o reajuste da tarifa média em R$/MWH foi de R$ 113,50. Ocorre que em um único período anual, de 2021 para 2022, o reajuste da tarifa média de aplicação foi de R$ 142,70 por MWh.
Além dos aspectos financeiros, a comissão analisou a qualidade dos serviços prestados pela Enel a partir da consulta em diversas bases de reclamações dos consumidores. Constatou-se que a empresa também descumpre reiteradamente o contrato de concessão à medida que comete irregularidades como corte indevido de energia, descumprimento dos prazos de atendimento dos consumidores, danos causados em decorrência da má prestação do serviço de energia elétrica, fatura duplicada, demora para inclusão de clientes na modalidade baixa renda, cobrança indevida (seguro não solicitado, plano odontológico, cartão de todos), dificuldade para realização de acordo para pagamento, cobrança de consumo acima do registrado, cobrança de consumo acumulado numa fatura única, entre outros.