No ano em que completa uma década, a Chacina do Curió ganha mais um episódio nesta segunda-feira (25/08). Após denúncia do Ministério Público do Ceará, sete policiais militares irão a júri popular por participação na sequência de crimes que resultou na morte de 11 pessoas, a maioria jovens, na Grande Messejana, em Fortaleza, em novembro de 2015. Conforme denúncia, os réus compõem o “Núcleo da Omissão” do processo, ou seja, tinham o dever legal e podiam agir para evitar a chacina, mas se omitiram. A peça acusatória narra que os réus estavam de serviço e em viaturas caracterizadas na região e nada fizeram para impedir os assassinatos.
Serão julgados pelo Conselho de Sentença no Fórum Clóvis Beviláqua, a partir das 9h, desta segunda (25/08) sete policiais militares. Os crimes imputados a eles incluem 11 homicídios consumados, todos duplamente qualificados e praticados por motivo torpe e mediante recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa das vítimas; três homicídios tentados, duplamente qualificados e, também, cometidos por motivo torpe e com recurso que impossibilitou ou dificultou a defesa das vítimas; três crimes de tortura física; e um crime de tortura psicológica.
Um colegiado de membros do MP com atuação no júri acompanha o processo. Atualmente, compõem o grupo cinco promotores de Justiça. Segundo o Ministério Público, nesse caso, a responsabilização dos réus não decorre apenas do ato de disparar uma arma de fogo ou de efetivar a tortura, mas do fato de não intervir, visto que os agentes tinham a obrigação legal de agir para evitar os crimes. Isso vale para quando um policial presencia uma situação criminosa e tem meios de impedir o resultado, mas não o faz, seja em flagrante delito, prestação de socorro ou manutenção da ordem pública. No caso da chacina, como os policiais não agiram para evitar os delitos, configura-se omissão penalmente relevante, chamada de crime omissivo impróprio.
A denúncia sustenta, portanto, a previsão legal do artigo 13, §2º do Código Penal, que trata da omissão de agir para evitar o resultado. Além disso, o artigo 29, §2º do Código Penal Militar reforça que a omissão pode ser causa de crime quando o agente tinha obrigação legal de cuidado, proteção ou vigilância.
Julgamentos
O julgamento da próxima segunda-feira (25/08) é o quarto da Chacina do Curió. O primeiro aconteceu em 20 de junho de 2023 e resultou na condenação de quatro réus. O segundo julgamento ocorreu também em 2023, no dia 29 de agosto. Os oito policiais militares foram absolvidos por negativa de autoria. Medidas cautelares e restrições de direitos foram revogadas. O recurso contra a sentença ainda está em análise. No mesmo ano, entre os dias 12 e 16 de setembro, o terceiro julgamento resultou na procedência parcial da denúncia com condenação, desclassificação e absolvição. Também houve recurso contra a sentença.
O quinto julgamento está marcado para o dia 22 de setembro. Irão a júri popular outros três réus. Todos os julgamentos aconteceram no Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza, onde também ocorrerão os de agosto e de setembro de 2025.
Processos
O caso foi desmembrado em três processos. No de nº 0055869-44.2016.8.06.0001, movido contra sete réus, quatro já foram julgados e os três restantes irão a julgamento em 22 de setembro de 2025. O processo nº 0055856-45.2016.8.06.0001 envolve 15 réus, sendo que oito já foram julgados, e os outros sete denunciados irão a júri popular em 25 de agosto, próxima segunda-feira. No terceiro processo, de nº 0074012-18.2015.8.06.0001, os oito réus já foram julgados. Os processos tramitam na 1ª Vara do Júri da Comarca de Fortaleza.
Denúncia
O MP do Ceará denunciou, em 14 de junho de 2016, 45 policiais militares por envolvimento nos crimes. A denúncia foi elaborada por uma força-tarefa de 12 promotores de Justiça, que analisaram mais de 3.300 páginas distribuídas em 12 volumes e 3 anexos. Foram ouvidas cerca de 240 pessoas e examinadas imagens de câmeras de segurança, mensagens de WhatsApp, comunicações por rádio, dados de GPS das viaturas, fotossensores e escutas telefônicas autorizadas judicialmente.
A Justiça aceitou a denúncia contra 44 dos acusados, que foram presos preventivamente. Desses, 34 foram pronunciados para julgamento pelo Tribunal do Júri. De acordo com a denúncia, os crimes imputados incluem 11 homicídios duplamente qualificados (por motivo torpe e com recurso que dificultou a defesa das vítimas), três tentativas de homicídio com as mesmas qualificadoras, três crimes de tortura física e um de tortura psicológica.
Chacina
Os crimes ocorreram na noite de 11 e madrugada de 12 de novembro de 2015. Segundo a denúncia do MP do Ceará, a motivação da chacina foi vingança, após o assassinato do soldado PM Valtermberg Chaves Serpa, que foi morto ao reagir a um assalto contra sua esposa no bairro Lagoa Redonda, em Fortaleza naquele dia 11. A morte repercutiu entre policiais militares, que se articularam para uma ação de retaliação. Por meio de rádio, mensagens e ligações telefônicas, o grupo organizou uma operação com divisão de tarefas, buscando alvos considerados suspeitos ou desafetos pessoais.
As vítimas foram escolhidas aleatoriamente. De acordo com a denúncia do MP, os policiais agiram com confiança na impunidade, tomando medidas para evitar reconhecimento e encobrir vestígios dos crimes. Durante os ataques, viaturas da Polícia Militar próximas aos locais não prestaram socorro, mesmo com ligações da população. Algumas viaturas passaram ao lado dos corpos sem parar. Além disso, ambulâncias chegaram aos locais antes da polícia, mas não conseguiram atuar por falta de segurança.
Durante a ação, foram vítimas de homicídio Alef Sousa Cavalcante, 17 anos; Antônio Alisson Inácio Cardoso, 17; Francisco Enildo Pereira Chagas, 41; Jandson Alexandre de Sousa, 19; Jardel Lima dos Santos, 17; José Gilvan Pinto Barbosa, 41; Marcelo da Silva Mendes, 17; Patrício João Pinho Leite, 16; Pedro Alcântara Barroso, 18; Renayson Girão da Silva, 17; e Valmir Ferreira da Conceição, 37. Moradores e familiares socorreram algumas vítimas por conta própria, em veículos particulares e até em carroceria de caminhonete. Em um dos episódios mais graves, uma pessoa que tentava ajudar foi alvejada com oito tiros.