Após cinco dias, o primeiro julgamento da Chacina do Curió terminou na madrugada deste domingo (25/06) com a condenação dos réus Antônio José de Abreu Vidal Filho, Marcus Vinícius Sousa da Costa, Wellington Veras Chagas e Ideraldo Amâncio pelo cometimento de 11 homicídios qualificados consumados, três homicídios qualificados na forma tentada, três crimes de tortura física e um de tortura mental. As penas dos quatro réus somam 1.103 anos e 8 meses de reclusão, com regime inicial de cumprimento fechado. O Poder Judiciário determinou a imediata prisão provisória de todos os condenados e a perda do cargo público de policial militar.
O conselho de sentença, formado por sete jurados, acatou integralmente a tese do Ministério Público do Estado do Ceará, responsável pela denúncia dos acusados. O julgamento começou na última terça-feira (20/06) no Fórum Clóvis Bevilaqua, em Fortaleza. As próximas sessões que vão julgar os outros 16 réus do processo estão marcadas para agosto e setembro deste ano.
O procurador-geral de Justiça, Manuel Pinheiro, fez um pronunciamento à imprensa após o júri e agradeceu o trabalho dos promotores que atuaram no julgamento ao longo dos últimos cinco dias. O chefe do MP também comemorou o resultado do julgamento. “A justiça foi feita no caso concreto, com uma condenação bem fundamentada na prova dos autos. Essa sentença é a realização da justiça, é a resposta civilizada para a barbárie que foi a Chacina do Curió. A justiça não apaga a dor dessas famílias, mas ela traz paz, paz no presente e paz no futuro para essas comunidades que viveram tanto tempo sob os signos da incerteza e do medo”, destacou.
O crime
A Chacina do Curió ocorreu na noite e madrugada dos dias 11 e 12 de novembro de 2015, respectivamente, em nove locais da Grande Messejana, em Fortaleza. Foram 11 vítimas fatais, todas do sexo masculino e, a maioria, com menos de 18 anos. Segundo investigação do Ministério Público, os crimes de homicídio foram cometidos por policiais militares, após a morte de um colega de corporação na noite do dia 11 de novembro de 2015. O soldado PM Valtermberg Chaves Serpa foi assassinado após reagir a um roubo contra a esposa dele, caracterizando latrocínio. Esse crime aconteceu em um campo de futebol no bairro Lagoa Redonda, também na capital.
A morte do pm repercutiu rapidamente nas redes sociais e em aplicativos de mensagens de policiais militares, ganhando a adesão de dezenas de colegas de farda para o ato de vingança. Muitos estavam de folga naquele dia. Segundo a denúncia do MP, os acusados planejaram uma ação impactante, com divisão de tarefas, que começou pela procura de alvos preferenciais, de regra, pessoas com envolvimento em práticas delitivas ou sobre as quais recaiam suspeitas de ações delituosas, ou, ainda, desafetos pessoais de alguns policiais que estavam participando da ação. A preocupação maior era uma retaliação, a qualquer custo, pouco importando se as vítimas tinham, ou não, relação com este ou com qualquer evento criminoso.
De acordo com o MP, os executores escolheram as vítimas aleatoriamente, resultando na morte e ofensa à integridade física e mental de pessoas inocentes e que não tinham qualquer envolvimento com a morte do policial Serpa. Além disso, o órgão ministerial relata, por meio da denúncia, que a confiança na impunidade foi um fator importante entre os denunciados. Isso porque os envolvidos tomaram cautelas para não serem reconhecidos, tentaram encobrir vestígios dos crimes e sabiam que as vítimas não tinham a quem recorrer, tendo em vista que se tratava de uma ação coordenada por agentes da lei, especificamente da segurança pública.
Na chacina, foram vítimas de homicídio Alef Sousa Cavalcante, 17 anos; Antônio Alisson Inácio Cardoso, 17; Francisco Enildo Pereira Chagas, 41; Jandson Alexandre de Sousa, 19; Jardel Lima dos Santos, 17; José Gilvan Pinto Barbosa, 41; Marcelo da Silva Mendes, 17; Patrício João Pinho Leite, 16; Pedro Alcântara Barroso, 18; Renayson Girão da Silva, 17; e Valmir Ferreira da Conceição, 37.
Saiba mais sobre os episódios da chacina: http://www.mpce.mp.br/2023/06/curio-relembre-os-nove-episodios-da-maior-chacina-do-estado/
Atuação do Ministério Público
Logo após o crime, o MP Estadual nomeou todos os promotores de Justiça do Júri de Fortaleza para, de imediato, acompanharem as investigações da Polícia Civil. Também compuseram a força-tarefa integrantes do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco). Depois da conclusão do inquérito, o MP se debruçou na elaboração da denúncia, que contou com a colaboração de 12 membros.
No dia 14 de junho de 2016, o Ministério Público denunciou um total de 45 acusados de participação na chacina. Os crimes se referem a 11 homicídios duplamente qualificados consumados (art. 121, § 2º, incisos I e IV do Código Penal), por motivo torpe e com uso de recurso que dificultou ou impossibilitou as defesas das vítimas; três homicídios tentados duplamente qualificados (art. 121, § 2º, incisos I e IV, c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal), também por motivo torpe e com recurso que impossibilitou ou dificultou as defesas das vítimas; três crimes de tortura física (art. 1º, I ‘a’, II, §§ 2º, 3º e 4º, I, da Lei n. 9.455/97); e um crime de tortura psicológica (art.1º, I, letra ‘a’, §§2º, 3 e 4º, I, da Lei n. 9.455/97).
Saiba mais sobre a investigação do MPCE: http://www.mpce.mp.br/2023/06/provas-tecnicas-e-cientificas-fundamentam-denuncia-oferecida-pelo-mpce-contra-policiais-envolvidos-na-chacina-do-curio/
Da denúncia inicial do Ministério Público, a Justiça transformou em réus 44 dos 45 denunciados. À época, o Judiciário Estadual não acatou a denúncia do MP de que havia responsabilização penal sobre a atuação do então supervisor do Comando de Policiamento da Capital. No decorrer do processo, a Justiça proferiu decisão de pronúncia para 34 réus e impronunciou os outros 10 por ausência de indícios suficientes de autoria ou de participação nos delitos. Do total de pronunciados, três tiveram o declínio de competência para a Vara de Auditoria Militar e um faleceu durante a tramitação. Restando, portanto, 30 acusados para serem julgados na Justiça Estadual.
Quase oito anos após a chacina, os primeiros julgamentos foram marcados para junho, agosto e setembro de 2023. Novamente, a Procuradoria Geral de Justiça criou uma força-tarefa com sete membros para atuar no caso. O grupo é formado por promotores com vasta experiência em tribunais de júri, na capital e no interior. E ainda conta com a assistência de três defensores públicos.
Antes da nomeação, os promotores do caso se reuniram com representantes do movimento Mães do Curió e da Anistia Internacional para somar forças nesse momento de grande expectativa para os parentes das vítimas e para todo o sistema de justiça.