O Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), por meio do Grupo de Trabalho Covid-19, denunciou o cantor Wesley Oliveira da Silva, conhecido como Wesley Safadão; a esposa dele, Thyane Dantas Oliveira; a assessora do músico, Sabrina Tavares Brandão; e a servidora da Secretaria de Saúde de Fortaleza (SMS) Jeanine Maria Oliveira e Silva pelos crimes de peculato e corrupção passiva privilegiada. O documento foi protocolado no Poder Judiciário na manhã desta sexta-feira (04/02), dois dias após o Tribunal de Justiça do Ceará decidir pela liberação das investigações em curso pelo Ministério Público, paralisadas por força de um habeas corpus impetrado pelo cantor em novembro de 2021.
A acusação é assinada por oito promotores de Justiça e resulta de um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) instaurado em julho de 2021, um dia após o casal e a produtora do cantor serem agraciados, de maneira irregular, com doses de imunizante contra o coronavírus, em descompasso com o calendário público previamente divulgado. O esquema contou com a participação de servidores efetivos e terceirizados da Secretaria de Saúde de Fortaleza, além de assessores e amigos do cantor.
Entenda o caso
O fato que motivou a investigação do Ministério Público ocorreu no dia 08 de julho de 2021, nas dependências do North Shopping Jóquei, um dos locais de vacinação da capital cearense à época. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza, Wesley estava agendado para receber a primeira dose da vacina nesse mesmo dia, mas no Centro de Eventos do Ceará – Salão Taíba. A assessora dele, Sabrina Brandão, também estava com agendamento para o mesmo dia e local, mas pelo sistema de drive thru, no estacionamento. Já a esposa do músico, Thyane Dantas, sequer tinha registro de agendamento no sistema Vacine Já, da Secretaria de Saúde de Fortaleza, naquela data. No referido momento, estavam ainda sendo imunizados os cearenses com data de nascimento até 1988, e Thyane, por sua vez, diferentemente, apresenta como ano de nascimento 1991.
Segundo as investigações, a escolha de um local diferente do agendado para receber a vacina foi motivada por um interesse do cantor num imunizante específico. Enquanto no Centro de Eventos a vacina distribuída era do laboratório AstraZeneca, no North Shopping Jóquei, o imunizante aplicado era do laboratório Janssen, aceito à época para ingresso nos Estados Unidos. Wesley mantinha uma turnê com shows no mês de novembro em cinco cidades norte-americanas, conforme amplamente divulgado pelo próprio músico em suas redes sociais. Naquele momento, os imunizados com AstraZeneca ainda não estavam liberados para entrar nos EUA.
Para o Grupo de Trabalho do MP, Wesley procurou então por uma vacina amplamente aceita no exterior, em especial nos Estados Unidos e, para tanto, mobilizou servidores efetivos e terceirizados, além de assessores próximos para que fosse viabilizada a imunização dele com a vacina da Janssen. E, como se não bastasse, aproveitou para contribuir para o desvio de doses em favor da assessora e da esposa, que nem estava agendada para aquele dia, em razão de não possuir a idade exigida.
Dinâmica dos fatos
Conforme a denúncia, a articulação para o desvio dos imunizantes contou com a participação de oito investigados. Além dos três beneficiados diretos pela aplicação irregular das vacinas, o esquema também teve o envolvimento de um outro funcionário da equipe de Wesley, Marcelo da Silva Matos; de uma amiga e ex-funcionária de Marcelo, Ellen Cristina Oliveira; de um integrante da equipe de vacinação, Jorge Luís Alves de Freitas; do supervisor do posto de vacinação, Danilo Fernandes da Silva; e da servidora da SMS, Jeanine Maria Oliveira e Silva.
De acordo com os autos, Marcelo entrou em contato com Ellen, porque sabia que a amiga tinha conhecidos e influência na rede municipal de saúde do município de Fortaleza. Ela acionou Jeanine, com atribuições no setor de logística de vacinas da Regional III da Prefeitura. Jeanine, então, ligou para Jorge Luís, que naquele dia (08/07/2021) estava em serviço no Posto de Vacinação do North Shopping Jóquei, e o informou de que Ellen iria ao local levando três pessoas para serem vacinadas (Wesley, Thyane e Sabrina). Tal “jogo de influência” foi confirmado por Jorge Luís em seu depoimento constante da Sindicância da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza.
Uma vez estabelecida a conexão entre os envolvidos, Marcelo se dirigiu ao North Shopping Jóquei juntamente com o trio a ser beneficiado pela vacinação irregular. Ellen, no entanto, chegou antes e permaneceu aguardando a chegada de Marcelo, o que ocorreu cerca de 25 minutos depois. Primeiro Marcelo conduz Sabrina até o local da aplicação do imunizante. Enquanto ele conversa rapidamente com Ellen, Sabrina é encaminhada por Jorge Luís e Danilo para o setor de registro, sem passar pela triagem e sem conferência de documentos.
Enquanto isso, Marcelo retorna ao estacionamento para conduzir Wesley e Thyane até o salão da vacinação. Ao chegarem ao local, o trio é recebido por Ellen e também encaminhado por Jorge Luís e Danilo diretamente para o setor de registro, novamente sem passar pela triagem e sem conferência de documentos, comprovando assim a burlar às normas pertinentes e a facilitação da vacinação irregular dos denunciados.
A dinâmica dos fatos foi elaborada a partir dos depoimentos dos denunciados tanto no Procedimento Investigatório Criminal (PIC) do MPCE quanto na sindicância da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza, e também por meio das imagens de vídeo do circuito interno de TV do North Shopping Jóquei, anexadas à investigação.
Crimes cometidos
Segundo os promotores de Justiça que assinam a denúncia, não restam dúvidas sobre a prática dos delitos de peculato (art. 312, CPB) e corrupção passiva privilegiada (art. 317, § 2º, CP) atribuídos aos denunciados Wesley Oliveira da Silva, Thyane Dantas Oliveira, Sabrina Tavares Brandão e Jeanine Maria Oliveira e Silva, bem como aos investigados Marcelo da Silva Matos, Ellen Cristina Oliveira da Silva, Jorge Luís Alves de Freitas e Danilo Fernandes da Silva, estes últimos beneficiados por Acordo de Não Persecução Penal, razão pela qual deixaram de ser delatados.
Durante as investigações, também foi oferecido um Acordo de Não Persecução Penal a Wesley, Thyane e Sabrina. O MPCE ofereceu a proposta de pagamento de prestação pecuniária de 360 salários mínimos para Wesley, 360 salários mínimos para Thyane e 25 salários mínimos para Sabrina, de forma que o valor total fosse designado para entidade pública ou privada com destinação social. Cada quantia foi calculada pelo Ministério Público considerando parâmetros legais e a estimativa da capacidade econômico-financeira de cada investigado. Contudo, a oferta não foi aceita pelos três. A Lei Processual Penal (Art. 28-A) exige que, para a celebração do acordo, haja confissão circunstanciada dos fatos.
“…somos pessoas diferentes…”
Ao ser questionada sobre os motivos do tratamento diferenciado dispensado ao casal, em depoimento colhido pelo Ministério Público, a denunciada Thyane Dantas disse: “Eu acredito porque somos pessoas diferentes”. Ao ser indagada em que sentido seriam pessoas diferentes, ela afirma: “No sentido de ser público e ter esse cuidado de não aglomerar. Talvez se ele (Wesley) sentasse ali na fila ia ter pedido de foto. Eu acredito que por isso que ele teve esse cuidado de colocar ali na frente”.
Para o MPCE, isso não justifica a conduta dos denunciados, primeiro porque não cabe a eles a escolha dos locais de vacinação, nem tampouco buscar benefícios com o intuito de supostamente evitar possível aglomeração; e segundo, porque, como claramente é possível observar nos vídeos captados pelo circuito interno do shopping, havia poucas pessoas no local de vacinação, tanto que o próprio delatado Wesley se dispôs a tirar fotos com fãs depois de receber o imunizante irregularmente, sem que isso tenha gerado aglomeração ou tumulto no local.