Cooperação internacional no combate ao tráfico, corrupção e lavagem de dinheiro é tema de palestras na 7ª Conferência da IAP 


A cooperação internacional de Ministérios Públicos das Américas e Europa foi o eixo central para a discussão, na tarde dessa quinta-feira (29/06), da 7º Conferência Latino-americana do Ministério Público (IAP). Foram debatidos temas como combate ao tráfico de drogas, às organizações criminosas, casos de corrupção e crimes financeiros, e também a lavagem de dinheiro. O evento começou nesta quarta (28/06) e prossegue até sexta-feira (30/06) na Universidade do Parlamento Cearense (Unipace), em Fortaleza, e é promovido pela Associação Internacional de Promotores (IAP), o Ministério Público do Estado do Ceará e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público Brasileiro (CONAMP). 

Os trabalhos foram abertos oficialmente pelo procurador-geral de Justiça do Ministério Público do Ceará, Manuel Pinheiro. “O Combate ao Tráfico Ilícito Transnacional” foi discutido em sessão plenária mediada pelo presidente da Associação dos Membros do Ministério Público Federal da Argentina, Ricardo Toranzos. Martin Van Nes, procurador do Ministério Público da Holanda, que possui vasta experiência no combate a crimes relacionados ao narcotráfico e a organizações criminosas, pontuou que o trabalho exercido de forma multisetorial e interinstitucional é mais efetivo, especialmente quando se trata de situações envolvendo mais de um país.  

Tráfico Transnacional 

“Os desafios são basicamente os mesmos: ameaças, violência, os fluxos da América Latina para a Europa ocidental. Os portos de Rotterdam (Holanda) e Antuérpia (Bélgica) são dois pontos de atenção importantes, assim como os portos brasileiros de Santos, Belém, Paranaguá e Rio de Janeiro. Não se trata somente de prestar assistência entre os países, mas de trabalhar juntos”, afirmou. Segundo o procurador holandês, em dez anos, o salto de apreensão de cocaína na Holanda passou de 14.000 kg para 147.000 kg. “Fizemos mais apreensões porque também estamos focando em unir forças com a Bélgica e atuamos de forma cooperada com a forças policiais para impedir esse trânsito”, completou, acrescentando que esse tipo de iniciativa deve estender-se entre países da América Latina, Península Ibérica e Europa. 

Através do compartilhamento de dados, por exemplo, foi possível evitar assassinatos, operações do tráfico e descobrir conexões entre organizações criminosas de diversos países. Por isso Martin Van Nes sugeriu, no evento, a criação de um grupo de trabalho antinarcótico dentro da estrutura da IAP, voltado especificamente para o combate ao tráfico e às organizações criminosas. “Com o grupo, poderemos dar um novo passo no compartilhamento de dados e cooperação internacional, a fim de chegarmos a soluções compartilhadas e novas estratégias de atuação”, propôs. 

Para o promotor de Justiça do MP da Província de Santa Fé, Jorge Baclini, nos últimos anos a violência se potencializou na Argentina em grande medida amparada pelo crime organizado. Na cidade de Rosário, por exemplo, localizada no centro do país, a taxa de homicídios é de 23 mortes a cada 100 mil habitantes. Já a taxa de feridos por arma de fogo é de 67 para cada 100 mil habitantes. O membro do MP atribui os altos índices à estruturação de dois tipos de organizações criminosas: as formais, com atribuições definidas e de origem estável, e as informais, que geram violência em grande proporção e atuam de forma incidental e pontual.  

“Os grupos se fortalecem à medida que as políticas públicas falham. Os formais são permanentes, atuam no tráfico de drogas, tráfico de pessoas, crimes financeiros, evasão fiscal, lavagem de dinheiro, enquanto que os grupos menos estruturados cometem crimes de traços mais violentos em disputas por território e em crimes de menor escala. Mas, de uma forma ou de outra, os criminosos se profissionalizam e chegam a instâncias maiores de poder. Onde o estado está ausente as organizações prestam serviços de saúde, moradia e até de educação, legitimando-se diante da comunidade”, alertou. 

Segundo Jorge Baclini, para haver soluções efetivas é necessário que o Ministério Público crie unidades para serem encarregadas de missões específicas, com relatórios de escritórios de análises, criação de protocolos e diretrizes de atuação, trabalho unificado dos casos e equipes interdisciplinares que passem por capacitações constantes, programas de proteção a vítimas e testemunhas. “Precisamos traçar o tipo de respostas a que devemos chegar, através de uma investigação mais proativa do que reativa”, pontuou. 

Corrupção e Lavagem de Dinheiro 

A 4ª Sessão Plenária da conferência apresentou o tema “Combatendo a Corrupção e a Lavagem de Dinheiro”, em mesa presidida por Maximiliano Vence, promotor de Justiça em matéria penal e de contravenções da Argentina. O tema foi apresentado pelo mediador como uma “problemática quase naturalizada na sociedade, que causa danos institucionais e sociais e enfraquece as instituições”. Para ele, a situação deve ser revertida no sentido de recuperar a confiança do cidadão comum na democracia e no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro. 

De acordo com José Antonio Candanedo Chiam, secretário-geral da Procuradoria Geral da República do Panamá, entender o caso ”Panama Papers” é uma maneira de vislumbrar boas práticas e novos modelos de atuação do MP. Em abril de 2016, um jornal panamenho denunciou empresa envolvida em uma série de crimes financeiros. À época, 32 pessoas foram acusadas, sendo 25 da empresa, cinco clientes e dois operadores que davam suporte ao esquema criminoso, que consistia em remeter para o exterior grandes quantias de dinheiro e beneficiar especialmente os sócios da companhia. Mais de 3.000 documentos foram analisados e foi necessária a cooperação do MP em diversos países, uma vez que a empresa tinha 40 filiais em quatro continentes. 

“Nas investigações, tivemos suporte da Alemanha e dos Estados Unidos. Hoje o caso está em fase de abrir o julgamento, que deve acontecer em novembro ou dezembro deste ano. Muitas lições foram aprendidas, principalmente no que se refere à legislação interna e no nosso método de trabalho. O tema é bastante difuso. A raiz de todo o trabalho está em três eixos: a cooperação internacional, a aplicação de técnicas especiais de investigação; e o fortalecimento de laços entre os países para aumentar a cooperação jurídica internacional”, ressaltou José Antonio Candanedo. 

Isso vale, inclusive, no combate à lavagem de dinheiro praticada a partir de crimes cibernéticos. O diretor da força-tarefa KleptoCapture do Ministério da Justiça dos Estados Unidos, Andrew Adams, considerou que a corrupção é uma questão de segurança nacional e está relacionada a crimes como roubo de propriedade intelectual, ataque cibernético e delitos contra o sistema financeiros. “Antecipar os atores é uma forma de atingir outras metas, pois nos dá oportunidade de proteger o sistema econômico e evitar outros crimes, como tráfico de drogas, interferência nas eleições, roubo e venda de segredos de indústrias”, informou. 

Nesse sentido, segundo Andrew Adams, o Departamento de Justiça presta suporte a investigações realizadas pelo Ministério Público. “Somos um apoio para o trabalho dos promotores combaterem atividades ilegais. Muitos parceiros estão adotando esse modelo em que dividimos o know-how e fomentamos parcerias. Existe uma urgência global nesse tema. A corrupção e o sistema financeiro têm que ser o centro dessa cooperação internacional. Precisamos ter o mesmo senso de urgência. Os Estados Unidos estão prontos para trabalhar com parceiros. Queremos juntos trabalhar para um mundo mais justo e livre”, salientou. 

Crime Organizado no Canadá 

Em mesa conduzida pelo procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), Arthur Lemos Junior, a última palestra do dia 29 apresentou como a criminalidade no Canadá sofre influência externa e se aperfeiçoou após a pandemia, na chamada era digital. Para discorrer sobre o tema, o promotor de Justiça da Província de Quebec, Claude Girard, traçou um perfil social de seu país, destacando que o canadense confia nas instituições locais, mas está aquém, em relação a outros países, no que se refere à legislação criminal e recursos para investigação. 

O país, dividido em dez províncias e três territórios, possui diferentes modalidades de crimes. Alguns dos mais graves receberam influência da máfia italiana, segundo Girard, e ocorrem principalmente na parte central do país, onde estão Quebec, Ontário, Montreal e Toronto, locais que mais receberam imigrantes italianos. “Durante muito tempo levaram o controle para cassinos, pornografia, crimes de falências ilegais, corrupção. Com o tempo evoluíram e estão se expandindo para outros países, através do tráfico, lavagem de dinheiro, atividades on-line, apostas, criptomoedas. As autoridades não têm recursos para fazer as investigações”, afirmou. 

Alguns programas exitosos chegaram a líderes das organizações criminosas, como o Projeto Coletor, em que polícia e procuradores de Justiça se infiltraram e descobriram como funciona a estrutura do crime de diversas etnias. Em quatro anos, dois líderes foram condenados. Segundo o promotor um dos entraves está na legislação. Embora avançada em muitos aspectos, dispositivo legal determina que a investigação criminal não ultrapasse 13 meses. Caso contrário, o crime prescreve. “Precisamos trabalhar com mais vigor. A nossa Carta de Direitos foi muito bem redigida em 1981, mas perdemos várias batalhas nos tribunais devido a essa decisão de 2016 da Suprema Corte. Esse é um grande desafio para nossa organização”, finalizou.  

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Ministério Público do Estado do Ceará

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