A educação é direito constitucional garantido a todas as pessoas. O artigo 58 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), isto é, a Lei nº 9.394/96, determina que deve ser ofertado ensino especial para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. Nesse contexto, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), por intermédio do Centro de Apoio Operacional da Educação (Caoeduc), apoia a semana estadual de sensibilização e defesa da educação inclusiva, realizada na última semana de abril e instituída pela Lei nº 16.109/16.
Histórias de famílias com crianças e adolescentes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação revelam os desafios do desenvolvimento desses alunos no ambiente escolar. A empresária Samia Maria Viana Ricarte, mãe de Mariana Viana Ricarte, adolescente de 16 anos com síndrome de down, conta que vivenciou situações de estresse dentro de um colégio regular. “As escolas, por serem conteudistas, muitas vezes não enxergam as necessidades ou fazem planejamento direcionado”, opina. Para ela, é necessário maior comprometimento dos funcionários para dar um suporte adequado ao estudante, com colaboração entre família e escola. Hoje, Mariana estuda em uma escola terapêutica com currículo adaptado.
A escola como espaço de acolhimento é algo reforçado pelas pedagogas do MPCE Debora Lima e Rayssa Barcellos. De acordo com as servidoras, as instituições de ensino devem adaptar-se, seja em questões de estrutura física ou de ordem pedagógica, para atender todos os alunos, dar autonomia e garantir o pleno acesso à educação e participação na escola, em condições de igualdade. “Uma das principais estratégias de acessibilidade na Educação Brasileira é o Atendimento Educacional Especializado (AEE), que é um serviço destinado a estudantes com deficiência, Transtorno do Espectro Autista (TEA) e altas habilidades/superdotação, cujo objetivo é desenvolver práticas pedagógicas inclusivas e atividades diversificadas para eliminar barreiras no processo de ensino-aprendizagem e garantir o pleno acesso e participação desses alunos na escola regular”, destacam.
Atuação do MPCE
Conforme a procuradora de Justiça Elizabeth Almeida, coordenadora do Caoeduc, as obrigações das escolas incluem proporcionar profissionais para assegurar inclusão escolar, promover acessibilidade arquitetônica nas instalações, planejar e ofertar atendimento educacional especializado, disponibilizar tradutores e intérpretes de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), entre outros. “O MPCE atua na fiscalização das estruturas físicas das escolas e da execução de planejamentos pedagógicos escolares, que devem incluir o atendimento educacional especializado e a oferta de profissionais de apoio, de forma a garantir a inclusão escolar a partir da educação infantil. Também atua em casos de recusa de matrícula escolar de alunos com deficiência, que configura crime”, detalha. Especificamente quanto aos alunos com deficiência, os deveres das escolas estão previstos em diversas normas, mas a maioria está na Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº13.146/2015).
A coordenadora do Caoeduc alerta que as escolas não podem condicionar a matrícula do aluno à apresentação de laudo médico, nem podem cobrar valores adicionais de qualquer natureza nas mensalidades, anuidades e matrículas. Além disso, negar matrícula à criança ou adolescente em razão de deficiência é considerado crime punível com reclusão de dois a cinco anos e multa de três a 20 salários mínimos, conforme o artigo 8º, inciso I, da Lei nº 7.853/1989, e o artigo 7º, da Lei nº 12.764/2021.
A procuradora de Justiça explica, ainda, que, aos pais, é assegurado o direito de obter informações a respeito da frequência, do rendimento dos alunos e da execução da proposta pedagógica da escola (artigo 12, inciso VII, LDB), bem como de participar da definição das propostas educacionais (artigo 53, parágrafo único, Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA). Como deveres, os pais ou responsáveis devem garantir a matrícula e a frequência escolar de crianças e adolescentes nas instituições de ensino, nos termos do artigo 6º, da LDB, e do artigo 55, do ECA.
Benefícios da educação inclusiva
As vantagens de um ambiente escolar inclusivo são expostas pela advogada da Associação Fortaleza Azul (FAZ), Janielle Fernandes Severo, que é mãe de João Lucas Fernandes Xenofonte, criança de oito anos e com TEA. “Era uma turma que já tinha tido uma criança com autismo durante a parte toda do Infantil. Ela trocou de colégio e os colegas estavam perdendo uma criança autista e estavam ganhando outra na mesma hora. Nós fomos muito bem acolhidos, a turma em que ele está é extremamente inclusiva, tanto as crianças quanto os pais, e a gente nota a diferença de eles já terem tido contato com o autismo”, relata.
Para a empresária Samia Maria Viana Ricarte, mãe de Mariana Viana Ricarte, o mundo hoje está mais inclusivo comparado há uma década. E conforme ela, há muitos benefícios nessa socialização entre os estudantes. “Quando você tem um aluno com algum tipo de deficiência diagnosticada dentro do contexto escolar, de uma sala de aula, a troca desse aluno com os outros é muito positiva, os alunos começam a ver esse colega de igual para igual, a convivência vai acontecendo e ela é muito sadia”, comenta.
Conforme a psicóloga do MPCE, Nimara Lourenço Araújo, o desenvolvimento mental, psíquico e intelectual de crianças e adolescentes é prejudicado quando não há a educação inclusiva. Segundo ela, as crianças e os adolescentes “terão dificuldades em aprender a conviver, contribuir e construir juntos um mundo de oportunidades reais (não obrigatoriamente iguais) para todos. Prejudicando assim, a inserção na sociedade, no qual seria o momento de desafiar e incentivar a autossuficiência das crianças e adolescentes”, afirma.
Nimara salienta, ainda, a importância de a escola agir precocemente em eventuais casos de bullying, com intervenção imediata, atenção permanente e diálogo com toda a comunidade escolar. “Os profissionais da educação devem intervir com ações que estimulem a prática de inclusão social e o respeito às diferenças, preparando o educando para qualquer situação adversa, com intuito de possibilitar ao indivíduo tornar-se protagonista de sua própria história”, frisa. Ela afirma que, nos alunos que provocam bullying, é necessário incentivar a solidariedade, a generosidade e o respeito às diferenças. “E é importante que a criança ou adolescente que sofre bullying seja acompanhada por um psicólogo para que haja o fortalecimento da autoestima, o estímulo ao diálogo e a construção de vínculos afetivos fortes”, complementa.
Efeitos da pandemia
A educação de crianças e adolescentes em tempos de pandemia se tornou ainda mais desafiadora para as famílias. A falta de socialização com outros alunos e a distração no acompanhamento das aulas on-line são algumas das experiências relatadas por familiares. É o caso da dona de casa Socorro Almada, mãe de Arthur Almada Mendonça, criança de sete anos com TEA. “Buscamos vídeos e aplicativos que ajudem a complementar o entendimento das matérias onde há uma maior dificuldade ou falta de interesse. A agitação aumentou, então buscamos mais atividades físicas ao ar livre para diminuir o nível de alerta e a ansiedade”, conta.
O contexto pandêmico também afetou o aprendizado de João Lucas Fernandes Xenofonte, pela quebra da rotina e do vínculo que ele já havia formado com as outras crianças. “A gente precisou fazer um trabalho de sensibilização muito grande no João Lucas para que ele começasse a aceitar as aulas on-line, que são extremamente desgastantes para ele, porque ele não consegue se concentrar. Essa dificuldade aumentou e acabou que a gente optou por ter uma psicopedagoga que faz o acompanhamento pedagógico dele em casa”, relata Janielle Fernandes Severo, mãe de João Lucas.
Como denunciar ao MPCE?
Situações de desrespeito à educação inclusiva e violação de direitos podem ser denunciadas ao Ministério Público em todo o estado do Ceará. “Qualquer cidadão pode procurar o representante do Ministério Público do seu município ou realizar a denúncia ao Caoeduc para que seja encaminhado ao membro competente para o caso”, declara a procuradora de Justiça Elizabeth Almeida. As denúncias podem ser enviadas ao MPCE através do e-mail caoeduc@mpce.mp.br.